Você entra num táxi em algum ponto de São Paulo. E, se gosta de se comunicar com outras pessoas, toma a iniciativa de romper o silêncio típico de quem precisa estar concentrado nos complicados deslocamentos pela cidade. Silêncio normalmente mantido tanto pelos passageiros como pelos motoristas. Faz um comentário qualquer só para quebrar o gelo no convívio que irá manter por poucos minutos com alguém que certamente nunca mais encontrará.
Sua iniciativa lhe permitirá observar aquele profissional treinado na direção de seu veículo num dos trânsitos urbanos mais complexos do mundo. Ele começará a falar. Provavelmente terá sotaque de quem veio de outra região do país. Você olha para ele e percebe na limpeza de sua roupa os cuidados de uma esposa com o provedor de sua família. Depois, se dá conta de que, no interior do veículo, também há limpeza, a revelar outro tipo de gratidão e carinho. No meio da conversa, o motorista, pode, de repente, começar a falar, com orgulho, da filha que já entrou numa faculdade. Então, amigo, você estará colocado diante de uma rara possibilidade: a de compreenderá por que milhões de seres humanos se submetem diariamente aos mais insuportáveis desconfortos em São Paulo.
Não será, certamente, por falta de informações. Quem não sabe que muitas cidades brasileiras têm hoje melhor qualidade de vida? Espalhadas pelas diversas regiões são lugares bafejados pelos benefícios da expansão do crescimento econômico do país, nas últimas duas décadas. Nem será por falta de inteligência que estes milhões de brasileiros se deixam maltratar. No desespero criado pela absurda perda de tempo nos engarrafamentos, obrigados que são a percorrer longas distancias diariamente na cidade. No contato físico indigno, forçado pelos corpos espremidos nas conduções coletivas. Todos são trabalhadores e trabalhadoras que dispõem apenas de sua própria mão-de-obra. Permanecem em São Paulo porque obtém na cidade algo extremamente valioso: treinamento profissional num mercado de trabalho competitivo, o que lhes garante atividade remunerada. E com ela que sustentam suas famílias. E asseguram o futuro dos filhos, proporcionando-lhes a escolaridade que lhes foi negada. Por isto gostam da cidade, apesar de tudo. Pergunte àquele taxista se ele quer viver m outro local. Quem não entender isto, não entenderá por que o nordestino Tom Zé inseriu estes versos na letra daquela sua antiga música: “São, São Paulo, meu amor. São, São Paulo, quanta dor!”.