Marcio Mantovani é um paciente que foi coagido, por seu plano de saúde, a ouvir uma segunda opinião médica e acatar a decisão do segundo. O tratamento não foi satisfatório e ele decidiu entrar com ação contra o seu plano de saúde, Sul América Cia de Seguro. Neste caso, o Juiz de Direito Rogério de Camargo Arruda, da 3ª Vara Civil, do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedeu liminar em favor de Marcio, mas mais uma vez fica claro o já recorrente abuso das operadoras e a já rotineira intervenção da justiça.
O Código de Ética Médica estipula em seu artigo 39, que é vedado ao médico opor-se à realização de junta médica ou segunda opinião solicitada pelo paciente ou por seu representante legal. A segunda opinião é um direito do paciente, ele se utiliza desse direito para tirar dúvidas ou ainda eliminar um desconforto que compromete a relação médico-paciente.
No entanto, o que temos visto acontecer está muito longe de um livre-arbítrio do paciente. Planos de saúde costumam encaminhar os pacientes para um médico credenciado quando o prognóstico inicial consiste em um tratamento caro. Algumas vezes a resposta ao pedido de realização do procedimento vem em forma de e-mail informando sobre uma consulta marcada com outro especialista, ou seja, o paciente não tem sequer o direito à escolha do segundo profissional.
A solicitação de uma segunda opinião é uma alternativa natural que surge diante de situações difíceis ou complexas. Porém, como as questões que envolvem a segunda opinião dizem respeito ao paciente, é necessário que ele ou seu representante legal, autorizem e solicitem ao médico assistente ouvir a opinião de um colega.
Nesse mesmo sentido, médicos da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e da Sociedade Brasileira de Coluna declararam que apoiam a busca por uma segunda opinião desde que a iniciativa seja do próprio paciente.
Como já afirmou Ricardo Botelho, Diretor de Diretrizes da Sociedade Brasileira de Neurologia, em matéria publicada na revista SBN hoje, o paciente deveria escolher sua segunda opinião. Mas do modo que as coisas estão, pacientes que representam “custos” são desviados por grupos controlados pelas operadoras com o intuito precípuo de “diminuir” o custo, normalmente negando os procedimentos ou oferecendo alternativas ou pseudo alternativas.
Como advogada especialista em direito do consumidor na área da saúde, reforço que o paciente não é obrigado a passar por essa segunda opinião imposta pelo plano de saúde. Porém, na prática, o que se vê acontecer é uma coação ao paciente por parte do plano de saúde. Geralmente, o plano não dá continuidade ao processo enquanto não obtiver a segunda opinião. Além disso, o paciente que se nega a passar por isso, não consegue obter informações sobre o andamento do seu pedido de procedimento médico. Coibidos e sem alternativa aparente, os pacientes costumam seguir o que o plano mandou.
Diferentemente do que se pode pensar, não estou falando de alguns casos isolados. Essa prática ocorre em praticamente todos os convênios. E mais: a Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, apurou que nesse processo de reavaliação, em quase 70% dos casos, a cirurgia foi descartada.
Assim, o que está acontecendo no Brasil hoje é que os planos de saúde estão usando de um preceito da ética médica para mascarar um interesse próprio e que, muitas vezes, não traz benefício algum ao paciente, que vê seu processo se alongar e demorar cada vez mais, fora o fato de ter sua liberdade de escolha tolhida.
O paciente é prejudicado ainda por ter uma quebra involuntária na relação médico-paciente. O segundo profissional consultado não é necessariamente ruim ou anti-ético, mas ele não acompanhou o caso como o primeiro médico,este, por sua vez, é também vítima desse processo, uma vez que tem as suas capacidades profissionais postas a prova e seu diagnóstico, em mais da metade dos casos, é desconsiderado.
Acho importante que se saiba que por lei, o plano de saúde não pode interferir na relação médico-paciente. Nesse sentido, cabe ao paciente impor sua vontade ao plano de saúde. E caso esta não seja acatada, ele deve fazer uma reclamação junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Destaco também que os prazos para respostas também foi determinado pela ANS. Assim, caso o paciente não tenha resposta no prazo determinado, além da reclamação junto a ANS, ele pode procurar auxílio do Poder Judiciário e entrar com uma ação.
O paciente pode ter quantas opiniões médicas quiser sobre sua doença, uma vez que o procedimento é importante no momento em que decisões à respeito do tratamento devem ser tomadas.
Atualmente, somos obrigados a travar uma guerra com as operadoras para poder receber o que temos direito. Os propósitos de fazer sempre o melhor para o paciente e de respeitar sua liberdade de escolha constituem o fundamento ético para a segunda opinião médica. Contudo, essas bases estão longe de motivar a ação dos planos de saúde. O interesse corporativo tem prevalecido sobre o bem estar do paciente, que se vê preso entre planos de saúde gananciosos e a saúde pública de má qualidade.
Joanna Porto é advogada no escritório Porto, Guerra & Bitetti Advogados, especializado em Direito do Consumidor na área da Saúde