A maior seca dos últimos 91 anos é a principal ameaça à próxima safra de grãos do País. O plantio no Centro-Sul de culturas como a soja começa neste mês, mas, por conta da falta de chuvas, enfrenta dificuldades em vários locais. O risco climático já entrou no radar de economistas como um fator que pode pressionar os preços da comida e elevar os índices de inflação no ano que vem.
"Não vamos ter um cenário tão amistoso para alimentos, o que pode pressionar a inflação de 2022", afirma André Braz, coordenador de índices de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Contando com o risco climático, o economista projeta uma inflação de alimentos ao consumidor de 8,71% para 2022. É um pouco mais da metade da que deve ser registrada neste ano, de 14,1%, complicando ainda mais a tarefa do Banco Central (BC) de cumprir a meta de inflação, de 3,5%, com tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo.
"A falta de chuvas é uma das maiores preocupações dos produtores hoje", afirma Flávio Turra, gerente de Desenvolvimento Técnico da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar). A entidade reúne 58 cooperativas do agronegócio, com 185 mil agricultores, num dos principais Estados produtores de grãos do País.
No momento, a maioria dos agricultores do Paraná, por exemplo, está com os insumos em casa – adubos, sementes, herbicidas -, mas o clima não é favorável ao plantio. "Se a soja atrasar muito, pode comprometer o milho da segunda safra, que é plantado após a colheita da soja", antevê Turra.
Um dos sinais da inquietação dos agricultores com o risco climático aparece na forte contratação de seguro rural. "Já foram comprometidos no País quase todos os recursos do programa de subvenção ao seguro rural do Ministério da Agricultura", diz Turra. A oferta é de R$ 924 milhões, e R$ 890 milhões estão empenhados.
O risco de chuva está nas previsões dos meteorologistas. A partir do final deste mês, as chuvas devem voltar ao Centro-Sul do País. Em dezembro, porém, o cenário deve mudar, com a redução das precipitações, apontam os meteorologistas da consultoria Climatempo. A segunda metade da primavera e do verão será marcada pelo fenômeno climático da La Niña, que reduz as chuvas na região. "Os efeitos da La Niña serão mais sentidos a partir do final de novembro, e o fenômeno deve continuar até o primeiro trimestre de 2022", prevê a consultoria.
<b>Área maior</b>
Apesar da falta de chuva, e mesmo com custos 30% maiores em média em relação aos do ano passado (no caso da soja), os agricultores estão dispostos a ampliar a área plantada de praticamente todas as lavouras. Isso se deve aos bons preços das commodities agrícolas no mercado internacional – o que, na contramão, também tem efeitos diretos na alta da inflação no País.
A imagem usada pelos analistas do agronegócio para ilustrar o bom momento das cotações é que "hoje o milho está com preço de soja, soja com preço de boi e boi virou Hilux", a marca de picape usada pelo agricultor. Antes da pandemia, a saca de milho estava em torno de R$ 30, a de soja, R$ 90, e a arroba do boi estava na faixa de R$ 180. Hoje, o milho gira em torno de R$ 90, a soja está na faixa de R$ 170 e a arroba passa de R$ 300.
"Os preços andaram porque houve uma combinação de aumento de demanda com oferta escassa", diz Guilherme Bellotti, gerente da consultoria Agro no Itaú BBA. Para ele, serão necessários dois anos bons de produção de milho e soja para que o mercado volte ao equilíbrio.
Nas projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do Ministério da Agricultura, algodão, arroz, milho e soja terão aumentos de área plantada, na safra 2021/2022, de 13,4%,1,4%, 4% e 3,6%, respectivamente, em relação à última safra. Só para o feijão a expectativa é de estabilidade. Com esse aumento de área, a projeção de safra feita pela Conab é de 289,6 milhões de toneladas, o que configuraria um novo recorde.
Para o economista Fabio Silveira, sócio da consultoria MacroSector, o cenário pode não ser tão positivo assim. Segundo ele, os preços da soja e do milho se mantiveram em patamares elevados, em boa parte, pela grande liquidez de recursos no mercado internacional, fruto dos estímulos fiscais dados pelo governo americano e pelos juros baixos naquele país. Agora, com a sinalização do governo dos EUA de retirada dos estímulos e aumento de juros, a perspectiva de recuo dos preços, que já começou, deve se acelerar. "O risco de furo da bolha de preços agrícolas no começo de 2022 é grande", adverte.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>