A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta terça-feira, 30, para rejeitar o recurso movido pelo Ministério Público do Rio contra a decisão da Justiça fluminense que garantiu foro privilegiado ao senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e transferiu o inquérito das rachadinhas para segunda instância.
O julgamento foi travado na Segunda Turma depois de sucessivos adiamentos que o fizeram aguardar mais de um ano na fila. O placar foi de 3 votos a 1.
Relator da reclamação, Gilmar Mendes abriu os votos e considerou que o recurso não poderia ser reconhecido porque o MP do Rio perdeu o prazo para recorrer da decisão junto ao Tribunal de Justiça do Estado.
"A reclamação é incabível quando combate acórdão transitado em julgado", disse. "O MP do Rio de Janeiro busca, pela via de reclamação, um caminho processual considerado ilegítimo de reforma da decisão impugnada."
O ministro também observou que o voto "não alcança qualquer questão relativa ao exame de mérito, autoria e materialidade" das acusações contra Flávio.
"Essa decisão está adstrita ao espaço de discussão sobre o órgão competente para julgar o interessado e não alcança qualquer questão relativa ao exame de mérito, autoria ou materialidade das imputações feitas contra os interessados nas investigações em trâmite. O fato dessa discussão não ser apreciada por essa Suprema Corte por via natural do recurso extraordinário se dá pelo fato de, como se viu, o reclamante ter perdido o prazo para recorrer. A Procuradoria-Geral ofereceu parecer pela improcedência da reclamação", afirmou.
Ele foi seguido pelos colegas Ricardo Lewandowski e Kassio Nunes Marques. Eles também concluíram que a reclamação não poderia ser usada para contestar o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio.
"Não cabe reclamação contra coisa julgada", resumiu Lewandowski, que viu no recurso do Ministério Público uma tentativa de derrubar a decisão do TJ por "via oblíqua".
O ministro Edson Fachin ficou isolado na divergência e votou para conhecer a reclamação. Ele concluiu que a decisão do Tribunal de Justiça do Rio violou o entendimento traçado pelo STF para restringir o foro privilegiado a crimes cometidos no exercício do mandato e em razão do cargo.
"A prerrogativa de função não equivale a privilégio pessoal, mas condiz unicamente com a protação funcional", defendeu.
A investigação que atinge o senador foi desidratada por uma sequência de decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que anulou a maior parte das provas colhidas em primeiro grau por considerar o juízo incompetente. O trabalho desenvolvido ao longo de dois anos pelo MP do Rio ainda poderia ser salvo se o Supremo derrubasse o acórdão da Justiça do Rio que mandou a investigação para segunda instância, o que na prática esvaziaria as decisões do STJ, que tiveram como paradigma a transferência do caso e o reconhecimento do foro.
Flávio Bolsonaro é acusado pelos crimes de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro, ao lado do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, apontado como operador do esquema, e outros 15 ex-assessores. Na denúncia apresentada em novembro do ano passado, o Ministério Público apontou que a organização criminosa supostamente comandada pelo filho do presidente desviou R$ 6.100.091,52 dos cofres da Assembleia Legislativa do Rio, pela retenção de pagamentos de doze "funcionários fantasmas". O processo, no entanto, está praticamente parado desde que o Tribunal de Justiça do Rio garantiu foro especial ao senador e transferiu a investigação para segunda instância. A própria denúncia ainda não foi analisada.