A segunda noite dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, que começou às 22h de sábado, 23, e seguiu até as 5h45 de domingo, 24, começou com testes para cardíacos e terminou com duas exibições de gala, que concorrem ao título. As quatro primeiras escolas (Paraíso do Tuiuti, Portela, Mocidade Independente e Unidos da Tijuca) tiveram problemas com carros alegóricos. Não fosse por isso, pelo menos a Mocidade seria séria candidata ao título. Grande Rio e Unidos de Vila Isabel fizeram desfiles memoráveis e seus torcedores aguardam ansiosos a apuração, que vai ocorrer na tarde da próxima terça-feira, 26.
A noite começou com a Paraíso do Tuiuti, que exaltou o povo negro e a religiosidade, retratando personalidades negras como orixás (divindade das religiões africanas). A lista de pessoas destacadas pelo carnavalesco Paulo Barros foi extensa: o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama, o líder negro e ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela , a cantora norte-americana Beyoncé, a drag queen norte-americana RuPaul e a brasileira Mercedes Batista, primeira bailarina negra do Theatro Municipal do Rio.
As baianas mostraram a norte-americana Ângela Davis, filósofa e militante contra o racismo, e o principal casal de mestre-sala e porta-bandeira da escola simbolizava o líder negro Zumbi e sua mulher Dandara – aliás, o nome da porta-bandeira é mesmo Dandara, e ela é neta do cantor e compositor Martinho da Vila, figura emblemática da concorrente Unidos de Vila Isabel e homenageado pela sua escola, a última a desfilar.
Tudo ia bem no desfile da Paraíso do Tuiuti, ainda que sem o luxo de algumas das escolas da noite anterior, até que o quinto e último carro alegórico – justamente o intitulado "Que nossos caminhos se abram" – emperrou na entrada da pista de desfile. Ele foi consertado, mas o problema gerou correria e fez a escola gastar dois minutos a mais do que o permitido para encerrar o desfile – em vez dos 70, usou 72 minutos e será punida na apuração.
Já na dispersão (área onde os carros alegóricos são manobrados depois do desfile), esse mesmo carro alegórico causou um acidente. Uma integrante da escola, inicialmente identificada apenas como Alba Regina, havia passado mal e estava sendo retirada da dispersão em uma cadeira de rodas quando foi atropelada pela alegoria. Prensada contra um portão, ela foi ferida na perna e levada ao hospital municipal Souza Aguiar, no centro do Rio.
Segundo integrantes da escola, o ferimento não é grave. O acidente ocorreu três dias depois que um carro alegórico da Em Cima da Hora, escola da segunda divisão, prensou a perna de uma menina de 11 anos contra um poste enquanto era retirado do sambódromo. Também internada no hospital Souza Aguiar, Raquel Antunes da Silva morreu na sexta-feira, 22.
<b>Portela traz o baobá, a árvore sagrada da África</b>
A segunda escola a desfilar foi a Portela, que discorreu sobre o baobá, árvore considerada sagrada pelas religiões africanas, que a classificam como símbolo da ancestralidade e da memória.
A escola também prestou homenagem ao cantor e compositor Monarco, presidente de honra da Portela quando morreu, aos 88 anos, em dezembro do ano passado. A agremiação exibiu fantasias e alegorias muito luxuosas, até que teve problema com um carro alegórico – neste caso, o terceiro de cinco: uma estrutura em formato de bola rachou. Os componentes tentaram consertar, atrasando a entrada do carro na passarela, mas não conseguiram. A escola desfilou com a alegoria quebrada e deve ser punida por isso – além de correr risco de perder pontos também pelo espaço vazio deixado na pista durante a tentativa de conserto do carro.
<b>Mocidade homenageia Oxóssi, símbolo de prosperidade</b>
A terceira escola a se apresentar foi a Mocidade Independente, que homenageou o orixá Oxóssi, símbolo da caça e da prosperidade. A primeira sede da escola, em Padre Miguel (zona oeste do Rio), ficava numa área antes ocupada por um terreiro dedicado a esse orixá, e, por iniciativa do mestre de bateria André (que se tornaria famoso também por criar as "paradinhas", intervalo em que o canto do samba enredo ocorre à capela), o ritmo da bateria foi inspirado em Oxóssi.
Então, o enredo representou, também, uma homenagem aos ritmistas.
O carro abre-alas, intitulado "Um destino escrito nas estrelas", era muito luxuoso e o maior a ser apresentado neste ano – tinha seis partes, sendo quatro estruturas menores à frente e dois carros acoplados atrás, tudo interligado por ferro e correntes. Mas o carro emperrou logo no início da passarela, causando pânico aos integrantes da escola e muita torcida na plateia para que o problema fosse resolvido.
A solução foi desacoplar as quatro estruturas menores da frente, mas até que isso fosse feito a escola deixou um grande espaço vazio na pista de desfile. Para piorar, o segundo carro, que era bem menor, também emperrou e causou novo espaço vazio na avenida. Na correria, a escola completou o desfile no tempo limite de 70 minutos – mas os problemas nas alegorias comprometeram um desfile que, se transcorresse sem problemas, seria seríssimo candidato ao título.
<b>Unidos da Tijuca fala sobre a origem do guaraná</b>
Depois da Mocidade foi a vez da exibição da Unidos da Tijuca, que expôs uma lenda sobre a origem do guaraná e a formação do povo indígena Sateré Mawé. E a escola – também – teve problemas em dois carros alegóricos, ainda na armação (área em que a sequência de alas e carros alegóricos é organizada). O abre-alas demorou a ser consertado e deixou um espaço vazio na pista, no início do desfile. O segundo carro alegórico foi reparado a tempo de entrar na avenida sem comprometer a apresentação. O desfile contou a lenda segundo a qual um casal de índios sem filhos pediu à deusa Tupana que os tornasse pais, ela os atendeu, mas o menino, ainda criança, foi morto por uma entidade do mal. Os olhos dele foram enterrados e, então, eles deram origem à árvore do guaraná, fruto que tem a aparência de um olho humano.
<b>Grande Rio apresenta Exu e recebe aplausos</b>
Depois de quatro desfiles em que os sustos prevaleceram, a Grande Rio, escola de Duque de Caxias (Baixada Fluminense), entrou na passarela do samba para apresentar a história e a simbologia do orixá Exu, e enfim o público aplaudiu um desfile em que não só nenhum carro alegórico quebrou como a história foi narrada com maestria, as fantasias e alegorias esbanjavam luxo e o samba, embora repleto de palavras em dialetos africanos (um trecho de um dos refrões era "adakê exu, exu, ê, odará / ê bará ô, elegbará!"), contagiou o público, que em diversos setores das arquibancadas entoou gritos de "é campeã".
A escola realmente despontou como a principal favorita, e ainda encerrou o desfile com um carro alegórico que fazia menção ao lixão do Jardim Gramacho, bairro de Duque de Caxias, e lembrou muito um dos desfiles mais aclamados do carnavalesco Joãosinho Trinta, o enredo "Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia", de 1989.
<b>Martinho da Vila é o destaque da Vila Isabel</b>
A última das 12 escolas a se apresentar na Sapucaí foi a Unidos de Vila Isabel, que homenageou a figura mais famosa e emblemática da escola: o cantor, compositor e escritor Martinho da Vila. Cada ala e carro alegórico representaram uma etapa da vida do artista de 84 anos, que surgiu na passarela em uma alegoria giratória da comissão de frente.
Depois, Martinho desceu do carro alegórico e atravessou a Sapucaí sambando no chão, acompanhado por familiares. As fantasias eram facilmente compreendidas, o samba era fácil de cantar e a Vila também não teve nenhum problema com seus carros alegóricos. Resultado: mais uma escola ovacionada com gritos de "é campeã".
<b>Qual escola pode ser campeã?</b>
Ao final das exibições das 12 escolas de samba do Grupo Especial do Rio, é impossível prever qual será a campeã, mas as seis escolas com mais chance de voltar no Desfile das Campeãs, a ser realizado no próximo sábado, 29, são Grande Rio e Vila Isabel, que desfilaram na segunda noite, e Beija-Flor, Mangueira, Viradouro e Imperatriz, que se exibiram na primeira noite.
São Clemente foi a escola que teve mais problemas, seguida pela Paraíso do Tuiuti. Só uma escola é rebaixada, dando lugar à agremiação campeã da segunda divisão. Nesse grupo, chamado de Série Ouro, Império Serrano, União da Ilha e Unidos de Padre Miguel são as favoritas ao título.