Variedades

Segundo disco solo de Juliano Gauche segue flertando com sons do passado

“Doutor, ele está deprimido. De repente, não consegue fazer mais nada”, diz a mãe, preocupada. “O que houve?”, questiona o médico. O garoto, de uns 9 anos de idade, responde com a eloquência característica dos protagonistas dos filmes de Woody Allen. “O universo está se expandindo. O universo é tudo e, se ele está se expandindo, um dia se destruirá e será o fim de tudo.” O jovem Alvy Singer (que adulto é interpretado pelo próprio Allen) usa dessa descoberta para deixar de fazer os deveres de casa. O pessimismo paranoico do filme Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977) é só uma forma de encarar o fim de tudo. Juliano Gauche, artista nascido no lado mineiro da fronteira do Estado com o Espírito Santo, embora se considere capixaba, prefere encarar o apocalipse dançando.

Desta forma, ele abre o disco Nas Estâncias de Dzyan, o segundo da sua carreira solo (depois de três com a boa banda Solana e outro no qual interpretava a obra do genial Sérgio Sampaio). A canção-título, que pode ser ouvida com exclusividade no portal do jornal O Estado de S.Paulo, representa esse flerte com a destruição, sem pessimismo. “Como eu ia saber se tudo começou sem mim com hora para acabar?”, questiona o primeiro verso da música que abre o trabalho. O conformismo também está ali. É desnecessário lutar contra o inevitável, afinal. “Por favor, me ajude a ficar por aqui, sem estragar muita coisa e, se possível, dançando.”

O processo de composição de Gauche não tem início, meio e fim. Nada é determinado, ou contabilizado, pelo tempo. “É tudo uma grande progressão”, ele diz. Por isso, não há limite entre o primeiro álbum dele, que levava seu nome e chegou ao público em 2013, e Nas Estâncias de Dzyan. Dessas nove músicas, algumas delas brotaram assim que Juliano Gauche, o álbum, foi finalizado. “Só não componho quando estou gravando, porque as coisas se misturam”, ele explica. “Assim que lanço um, já começo um novo.”

O nome do álbum nasceu inspirado pelo livro A Doutrina Secreta (originalmente de 1888), de Helena Petrovna Blavatsky, no qual as tais estâncias de dzyan são citadas como pergaminhos tibetanos. Gauche trocou “as estâncias” por “nas estâncias” e criou com isso esse lugar, um ambiente novo para qual somos tragados pelos versos sem resoluções fáceis.

O próprio amor, uma parte do combustível para a composição e instigação de Gauche, não é escancarado. Está nos pequenos detalhes, como o próprio cotidiano do músico, casado há 10 anos. “Em muitas dessas canções, sou eu falando diretamente com ela”, ele explica.

Alegre-se, terceira faixa do disco, é exemplo claro disso. “Vista um short, nós vamos andar”, anuncia Gauche, enquanto a guitarra de Júnior Boca, responsável pelos arranjos do disco ao lado de Tatá Aeroplano, dão leveza à canção. Nada é tão solar – assim como também não é sombrio. Ecos de Jovem Guarda, como em Alegre-se, são pontuados por uma melancolia inerente à voz do músico.

Gravado em duas semanas de novembro do ano passado, no estúdio EAEO, Dzyan chega às plataformas digitais em 19 de fevereiro. Além dos arranjos, Boca também toca guitarra e violão no disco. O resto da banda é formada por João Leão (teclados), Daniel Lima (baixo) e Gustavo Souza (bateria). O show de lançamento também acabou de ser marcado: será no Sesc Pompeia, no dia 31 de março.

Por conter canções que nasceram de 2013 a 2015, Nas Estâncias de Dzyan alterna calmarias e tormentas. A faixa-título e Animal são mais catastróficas ou apocalípticas. São também as mais recentes dessa safra. “Acho que vivemos em um período de confusão ideológica, de personalidade, mesmo”, ele diz. Gauche, contudo, não quer pregar sua visão de mundo nessas canções – ou consertar o que deu errado na humanidade. Aos poucos, ele se mostra como o pequeno Alvy, do filme de Woody Allen. “Desde criança convivo com a ideia do fim do mundo”, conta. “Mas, ao mesmo tempo, não é por isso que vou parar de dançar, certo?” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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