Quem se atrever a falar mal da Portuguesa para José Vicente Pereira Bonfim, 53 anos, irá provocar a sua ira. O "Bigode de Aço", como é carinhosamente chamado pelos colegas, pelo volumoso bigode branco que ostenta, não aceita que depreciem o seu time. "Meu time é melhor que o dos outros. Sou Portuguesa de corpo, alma e coração", define.
Vicente dedicou quase metade de sua vida a trabalhar no tradicional clube paulistano. Está lá desde 1997. São 25 anos fazendo a segurança da equipe e a defendendo, apesar das agruras que já viveu em um quarto de século.
Baiano de Euclides da Cunha, o vigilante era vaqueiro "dos bons", ele diz, no pequeno município da Bahia. Largou a sua família e se mudou para São Paulo em 1995 porque queria "conhecer o mundo".
Ele trabalhou no metrô da capital paulista e depois ficou desempregado. Deu a sorte de um amigo lhe informar que havia visto uma placa em frente à sede da Portuguesa. O clube precisava de um segurança para o portão 9 do Canindé.
"Não pensei duas vezes. Desci na Armênia, fiz o contorno e cheguei aqui. 11 de dezembro de 1997 eu estava registrado na Associação de Desportos Portuguesa", conta o funcionário, um dos mais antigos do clube. Vicente nem sempre foi apaixonado pela Portuguesa. Antes de ser acolhido pela Lusa, seu time era o Vasco.
"E meu primeiro jogo foi qual? Portuguesa x Vasco. Quem desceu do ônibus? Romário. Só o via na televisão. Eu era fã do baixinho", narra ele. Naquele ano, a torcida foi dividida. Mas e se o jogo fosse hoje? "Sou Portuguesa", garante.
Há 15 dias, Vicente "travou". No dia 9 de abril, a Portuguesa empatou com o Rio Claro no Canindé e conquistou o acesso à elite do futebol paulista após sete anos. Foi um dos dias mais felizes da vida do segurança. Dias depois, o time sagrou-se campeão da Série A2.
"Não sabia se chorava, se dava risada ou se gritava. Eu vi a felicidade de todo mundo ali. Foi diferente de tudo", descreve o vigia. A emoção foi maior, segundo ele, até mesmo do que em 2011, quando a Portuguesa ganhou a Série B e voltou para a elite do futebol nacional.
A felicidade sentida há duas semanas foi um sentimento mais forte do que o expressado há 11 anos porque o calvário em que estava a Lusa era grande. Desde 2013, ano do controverso rebaixamento para a Série B graças à escalação irregular do meia-atacante Heverton, o sofrimento só aumentava. Foram rebaixamentos consecutivos até o time ficar sem divisão nacional, em 2017. Ao drama em campo se somavam os problemas fora dele. Sem dinheiro, o clube correu o risco de perder o Canindé, acumulou dívidas e ficou meses sem pagar seus funcionários.
"O que mais me doeu foi um dia minha filha pedir um sorvete e eu só chorei. Eu estava sem salário. Não tinha nada", relata Vicente. Esse período soturno ficou para trás. "O "respeito voltou. As pessoas me ligam para dar parabéns", afirma, sorridente, o vigilante.
Ele entende que o presidente Antônio Carlos Castanheira, desde 2020 no cargo, acertou a casa e tem reestruturado a agremiação. "Eu joguei bola com o presidente. Conheço ele faz tempo. Não o chamo nem de presidente. Chamo de Toninho", diz, sobre o amigo gestor.
Se Vicente não pensou em largar a Portuguesa quando a diretoria não pagava seu salário, hoje, a ideia é se aposentar no clube. "Só saio da Portuguesa quando ela falar pra eu sair. Eu vou sair de um clube que me acolheu na hora mais difícil da minha vida? A Portuguesa é tudo pra mim", justifica.
O processo de reestruturação é longo. A Portuguesa está sem divisão e tem de ganhar a Copa Paulista neste ano para voltar a disputar a Série D em 2023. As dificuldades ainda existentes não impedem o "Bigode de Aço" de sonhar.
"A Portuguesa está no caminho certo. Vai voltar para a Série A. Eu nem tirei foto com essa última taça da A2 do Paulista porque vou tirar com a da Série A do Brasileiro".