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Sem adesão, tenda do Anhangabaú só recebe mulher

A baixa adesão na tenda montada emergencialmente para receber moradores de rua no Vale do Anhangabaú, na região central de São Paulo, fez com que o equipamento mudasse de perfil. Com frequência de uma a duas pessoas durante 20 dias de funcionamento e apenas um pico de dez usuários em uma noite, a tenda, que tem capacidade para 50 pessoas, passou a receber apenas mulheres.

Usuários e funcionários do local informaram que a medida foi adotada porque o acolhimento misto não deu certo no abrigo montado na Galeria Prestes Maia, inaugurado em 21 de junho, também na região central. “Houve um aumento da demanda de mulheres e, aqui, elas têm mais privacidade”, disse um funcionário que não se identificou.

Há quatro anos em situação de rua, Fernanda Caroline da Conceição Ferreira, de 29, conta que chegou a dormir na galeria e está na tenda desde que foi feita a mudança de perfil, no dia 19. “Estava indo lá. De um lado, ficavam os homens e do outro, as mulheres. Mas tinha casal, não estava dando certo. Para mim, a tenda foi ótimo.”

Apesar de estar satisfeita com o fato de ter mais privacidade, Fernanda diz que a estrutura poderia ser melhor. “Nós somos moradoras de rua e eu gosto daqui, mas é complicado ver que os homens estão em um lugar com mais estrutura lá na galeria e nós, mulheres, ficamos na lona”, reclama.

Com a abertura do espaço apenas para mulheres, a quantidade de acolhimentos tem variado entre 20 e 31. Na primeira noite de funcionamento, ninguém dormiu no local.

Anteontem, foi a primeira noite da artesã Bianca Azevedo Santos, de 20 anos. “Este espaço é bom. Dão comida e ajudam com roupa.” Antes de ir para o local, ela, que morava em Parelheiros, no extremo sul da capital, passou um período dormindo na rua no bairro do Tatuapé, da zona leste, e passou uma temporada na Praça Roosevelt, na região central.

Emergencial

A instalação de tendas foi feita após a morte de cinco moradores de rua, contabilizadas pela Pastoral do Povo de Rua, durante uma frente fria na primeira quinzena de junho. O primeiro equipamento emergencial a ser inaugurado foi o espaço na Galeria Prestes Maia. Desde 28 de junho, duas tendas entraram em funcionamento: a do Anhangabaú e outra na Mooca, na zona leste.

“As tendas emergenciais instaladas durante o período da Operação Baixas Temperaturas têm extintores de incêndio, lona à prova de fogo e apoio de agentes da Guarda Civil Metropolitana”, informou a Prefeitura, em nota.

A estrutura montada na Galeria Prestes Maia tem alcançado a sua capacidade de atendimento, que é de 500 pessoas, mas isso não significa que todas dormiram no local, uma vez que apenas receber a refeição já conta como acolhimento.

Um dos usuários do local é o técnico de iluminação Gidivan dos Santos, de 32 anos, que tem ido à galeria desde a inauguração. “Moro na rua há dois anos. Não me interessei quando abriram a tenda (no Anhangabaú), porque lá faz muito frio.”

Na Mooca, a adesão tem sido crescente. Com capacidade para cem pessoas, a unidade já chegou a fazer 96 atendimentos.

As tendas do Anhangabaú e da Mooca têm espaço para animais de estimação e para carroças, demanda antiga dos moradores de rua para os abrigos fixos, mas não houve adesão.

De acordo com o último censo de moradores de rua, de 2015, há 15.905 pessoas em situação de rua na capital. A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads) diz que oferece 12 mil vagas em abrigos, das quais 10 mil são fixas, mas nem todas são preenchidas. “Não foi registrado esgotamento das vagas. Sobram, em média, 1 mil vagas por dia”, informa a pasta.

Desafio. Professor do Curso de Especialização em Ciência da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Eulálio Figueira diz que as políticas voltadas para moradores de rua têm de se adaptar à realidade deles.

“A grande questão é que o morador de rua tem de ser reconhecido como um sujeito social diferente. As medidas nunca vão atendê-los se não pensarem como eles. Eles não podem ser vistos como anomalias.”

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