Em Pacaraima, centenas de venezuelanos chegam todos os dias em busca de refúgio da grave crise econômica e política que atinge seu país de origem. Enquanto alguns sonham em retornar à Venezuela quando o chavismo deixar o poder, outros pensam em seguir a vida no Brasil mesmo que mude o cenário político.
Carlos Ramírez é conterrâneo do tenente-coronel Hugo Rafael Chávez Frías, presidente venezuelano morto em 2013 após um câncer. Os dois nasceram em Barinas, Estado pobre do interior do país. Enquanto um alçou a carreira militar, o outro foi consertar geladeiras e aparelhos de ar-condicionado.
A morte de Chávez colocou no comando do país o presidente Nicolás Maduro, considerado pelo mecânico o responsável pela crise econômica que o fez buscar refúgio no Brasil. Hoje, mesmo se Maduro cair, Ramírez não pensa em voltar.
Ele é um dos milhares de refugiados que cruzaram a fronteira nos últimos anos em busca de uma vida melhor. Ramírez vive num abrigo da Operação Acolhida, do governo brasileiro em parceria com a ONU para atender o fluxo de refugiados na fronteira. “Aqui em Pacaraima já consegui emprego e posso tirar um sustento consertando geladeiras e aparelhos de ar condicionado”, conta o venezuelano que vive no País há três meses.
Em Barinas, a inflação e a escassez de alimentos que afeta a Venezuela desde 2016 tornaram sua vida praticamente impossível. Com o salário, só conseguia comprar mandioca e banana. Após a separação da mulher, que emigrou para a Colômbia e levou a filha do casal, Yuliana, ele decidiu tentar a vida em Santa Elena de Uairén.
No sul da Venezuela, a situação ainda era melhor que em sua terra natal por causa do intenso fluxo comercial com o Brasil. Com o tempo, no entanto, a crise também chegou ao pequeno povoado na fronteira. Foi quando Ramírez decidiu emigrar, no final de 2018.
Àquela altura, o governo brasileiro já tinha montado uma estrutura mínima para atender aos refugiados, com um centro que inclui triagem de documentos, vacinação, emissão de pedidos de refúgio e interiorização. Alguns refugiados escolhem seguir para Boa Vista e outros destinos dentro e fora do Brasil. Outros, como Ramírez, fixam residência em Pacaraima.
“Nunca quis deixar meu país, mas se Maduro cair, volto apenas para passar as férias e rever a família”, conclui.
Saudade
A família Rojas, de Ciudad Bolívar, a 12 horas de ônibus da fronteira com o Brasil, pretende um dia voltar a viver na Venezuela. Fugindo da crise, eles se radicaram em Trancoso e Porto Seguro, na Bahia, e pretendem montar um restaurante de comidas típicas venezuelanas, se não encontrarem trabalho no setor de serviços e construção.
Pouco a pouco, os Rojas estão atravessando a fronteira com Roraima pela mata de savana, em trajetos que duram três, quatro horas, a depender do que cada um carrega e do ritmo de caminhada. Neste domingo, 24,, foi a vez de mais três: o pequeno Yeshua Levi, de 1 ano, no colo da mãe, Nelseidys Rojas, de 19 anos, que vai buscar emprego como garçonete, e o eletricista Rodolfo Rojas, de 49 anos, tio dela. Há outros por vir.
“Não queremos que nossos parentes venham agora, porque tem muito problema na fronteira. O governo (Caracas) não quer que a ajuda humanitária entre e os indígenas estão tentando permitir. Isso causou confrontos”, disse Nelseidys, que não conseguia convencer os militares a abrir passagem na mata e recorreu aos líderes indígenas para atravessar pelas trilhas.
“Lutamos para que os guardas nos deixassem passar. Disse a um sargento que se tivéssemos que passar por mal seria por mal. Perguntei por que bloqueavam o caminho. Eles ficaram calados. Somos todos venezuelanos. Eles têm de abandonar essa mentalidade de cumprir ordem. Eles estão bloqueando a Venezuela. Isso mais parece um golpe de Estado. Maduro está causando toda essa desgraça e fazendo com que todo o povo venezuelano queira sair.”
Eles receberam R$ 250 emprestados de um militar brasileiro para pagar o táxi coletivo que tomariam de Pacaraima ao Aeroporto de Boa Vista, um trajeto de cerca de 3 horas. O irmão de Rodolfo, Nelson Rojas, já radicado no litoral baiano, providenciou as passagens aéreas.
“Um dia quero voltar ao meu país, porque é lá que vive minha família”, disse Nelseidys. “Somos profissionais e queremos contribuir com esse País que está nos ajudando. O abrigo é uma grande ajuda. Vamos mudar de vida”, disse Rodolfo. “O caminho é perigoso, cheio de pedras e sem sombra. A Guarda Nacional está no caminho tenta impedir a passagem, uma medida persuasiva.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.