A cédula nas eleições presidenciais da próxima sexta-feira terá sete nomes, mas o vencedor dificilmente surpreenderá o país. Após o Conselho dos Guardiões ter descartado mais de 600 candidaturas, Ebrahim Raisi permaneceu como o grande favorito em uma disputa que deverá consolidar a força dos ultraconservadores no poder, após oito anos da presidência de um moderado.
Raisi já era o nome preferido do líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, desde 2017, quando ele disputou o cargo contra o atual presidente, Hassan Rohani, mas acabou derrotado, para a surpresa dos conservadores. Desta vez, Khamenei, quem de fato tem a última palavra, não quis correr riscos.
O Conselho – que decide quem pode ou não concorrer – rejeitou as candidaturas de nomes tradicionais da política iraniana. Ficaram de fora, por exemplo, o ex-presidente do Parlamento Ali Larijani e o falastrão ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad que, contrariado, foi às ruas protestar e defender o boicote à eleição.
Analistas ouvidos pelo <b>Estadão</b> disseram que a escolha e provável vitória de Raisi deixará os três poderes – Executivo, Judiciário e Legislativo – sob controle dos linhas-duras e, eventualmente, poderá estreitar o espaço da sociedade civil e os direitos democráticos. No entanto, no campo da política externa, não deverá haver grandes mudanças, já que o acordo internacional sobre o programa nuclear está inserido em sua estratégia.
Foi justamente a retirada unilateral dos EUA do acordo, sob a presidência de Donald Trump, que enfraqueceu a ala reformista e mais moderada do regime, dando um empurrão aos ultraconservadores. A pressão máxima de Trump, combinada com o assassinato do general Qassin Suleimani pelos americanos, minaram a posição de Rohani, explica Manochehr Dorraj, especialista da Texas Christian University, dos EUA.
Com a decisão do governo Trump de deixar o pacto, veio também a retomada das sanções. As duras punições levaram à deterioração de uma economia já castigada, inflação alta e desemprego. A gota dágua, segundo Muhammad Sahimi, professor da Universidade do Sul da Califórnia, foi quando os EUA se recusaram a levantar as sanções durante a pandemia de coronavírus.
Entre 2017, um ano antes de os EUA retomarem as sanções, e 2019, um ano depois, a atividade econômica do país recuou 9,7%, de acordo com o FMI. "Isso fortaleceu a afirmação dos linhas-duras de que não podemos confiar nos EUA e levou à situação atual", afirmou Sahimi.
As sanções, que impuseram severas dificuldades econômicas a grandes setores da população, segundo Dorraj, desacreditaram os reformistas, que se passaram por políticos ingênuos enganados pelos EUA. "Além disso, atualmente, eles carecem de um líder carismático, com novas ideias, que possa entusiasmar o povo. Se o governo (Joe) Biden abordar o governo iraniano com uma diplomacia de boa-fé e remover as sanções, isso pode se refletir em um novo cenário para a sociedade civil e, por consequência, uma nova vida política aos reformistas", disse Dorraj.
Segundo Ray Takeyh, analista do Council on Foreign Relations, a política iraniana é dinâmica, ao contrário do senso comum, mas a incapacidade de compreender suas nuances dificulta o fortalecimento da democracia. Um exemplo é o paradoxo dos governos americanos, que sempre jogaram duro com o Irã, mesmo quando os moderados estão no poder.
George W. Bush, que colocou o Irã como parte do "Eixo do Mal", acusou o país de exportar o terrorismo e de reprimir a população. Em Teerã, quem ocupava a presidência era Mohamed Khatami, um reformista que defendia menos restrições e uma economia de livre mercado. Na época, Khatami cooperou com a invasão americana ao Afeganistão e reconheceu que ambos os países dividiam a antipatia pelo Taleban e pela Al-Qaeda.
Publicamente, no entanto, os EUA, nunca abaixaram a guarda, reduzindo o espaço dos reformistas e pavimentando a eleição de Ahmadinejad, em 2006. "A estratégia do governo Bush, de transformação democrática e claridade moral, paradoxalmente, contribuiu para a consolidação dos conservadores no poder no Irã", escreveu Takeyh em seu livro Hidden Iran ("O Irã Oculto", em tradução livre).
<b>Reformismo.</b> Segundo Sahimi, a maioria da população segue apoiando uma abordagem reformista para melhorar o sistema. "Ninguém quer uma revolução que pode ser muito sangrenta ou criar condições que levem a uma intervenção externa", analisa, acrescentando que o movimento teve algumas conquistas, mas não foi capaz de cumprir muitas de suas promessas. "O Irã é uma sociedade vibrante, muito mais aberta do que os aliados dos EUA na região, com a possível exceção de Israel. Mas, ao mesmo tempo, as pessoas também estão decepcionadas com muitos dos líderes reformistas", afirmou.
Mesmo controladas, as eleições iranianas costumavam ter campanhas animadas, com cartazes nas ruas e comícios lotados. Além das restrições da pandemia, o cenário com um resultado praticamente definido desanimou muitos iranianos, que ameaçam não sair de casa para ir votar no dia 18.
Vários analistas preveem um comparecimento baixo em comparação com as duas últimas eleições – e isso passou a preocupar o regime. Nas últimas semanas, Khamenei começou a pedir aos iranianos para irem votar, uma vez que uma grande participação, na sua visão, garantiria uma legitimidade política ao novo presidente.
Em 2019, quando foi apontado como chefe do Judiciário iraniano, Raisi, um clérigo de linha-dura de 60 anos, causou preocupação em ativistas dos direitos humanos por seu envolvimento na execução de milhares de pessoas no país na década de 80. Ele vem sendo visto como um possível sucessor de Khamenei, de 82 anos. "Se os conservadores controlarem o Estado completamente, a transição para o sucessor de Khamenei seria muito mais suave", afirmou Sahimi.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>