“Cheguei a passar orientações aos familiares caso o pior acontecesse”. Fernanda Tonani, de 42 anos, quase foi uma das mais de 270 mil pessoas que perderam a vida em decorrência do coronavírus no Brasil. Os oitos dias internadas na UTI fizeram a médica anestesista mudar o conceito e a forma de encarar a vida.
“Muitas vezes adiamos certas coisas e deixamos de usar uma roupa para um momento especial, deixamos de encontrar as pessoas queridas e, quando vamos embora, fica tudo aí e você é substituído”, afirma Fernanda.
Ela chegou ao hospital com um choque séptico e temeu perder a vida sem poder se despedir de quem mais ama. “Fiquei oito dias internada na UTI, num total de 12. Quase precisei ser entubada porque tinha muita dificuldade respiratória. Chorava todos os dias, porque eu pensava que, se eu morresse, não veria mais ninguém da minha família. E as pessoas que me amam também não. Era muito triste. Pensei que não sobreviveria a esse vírus”, complementa.
Filha de um policial e de uma funcionária pública, a capixaba da capital Vitória se formou no Espírito Santo e veio para São Paulo fazer a especialização. Após o casamento, se mudou para Guarulhos, onde vive até hoje na Vila Galvão. Em 2008, se tornou mãe. Aos 12 anos, Enzo continua sendo a grande alegria de Fernanda. “O melhor presente que eu pude ganhar em toda vida foi o meu filho”, enfatiza.
Já consolidada na medicina, Fernanda garante que o maior desafio na profissão é, de fato, ser mulher. “A maioria ainda é de homens na anestesia e, dentro do centro cirúrgico, também. O ambiente é muito masculino, então a gente tem que se impor e mostrar a competência o tempo inteiro”, lamenta a médica, hoje coordenadora de plantão da equipe de anestesia do Hospital do Mandaqui.
Paixão por rally
“A gente fazia trilha de Jeep e um amigo anestesista nos perguntou se queríamos fazer rally. Fui fazer uma prova em Sumaré, em 2016. Fomos bem para uma estreia e eu me interessei porque é parecido com meu cotidiano. Tenho que seguir uma planilha, vendo o que está acontecendo lá fora, e eu fico o tempo todo assim, olhando o monitor, observando o paciente durante a cirurgia e tomando decisões rápidas para corrigir qualquer coisa. Eu gosto de adrenalina, de urgências, emergências. Então, foi uma extensão do que já faço”. A analogia de Fernanda entre o mundo do rally e sua profissão faz sentido. A modalidade ainda é amplamente habitada por homens.
A navegadora estreou no Rally dos Sertões – maior competição das américas – em 2018. O início foi com o pé direito, com título. Fernanda, uma das seis mulheres em meio a 308 competidores naquele ano, se recorda de uma passagem curiosa sobre seu gênero. “A gente chegou numa cidade muito pequena e quando as pessoas me viram no carro, disseram ‘olha, é uma mulher’. As crianças queriam tirar foto comigo. Então, você vê que é um exemplo, dentro de um esporte extremamente masculino”, explica.
Apesar da vitória, ela não se acomodou e começou a estudar e pegar dicas com navegadores mais antigos com o objetivo de se aperfeiçoar na função. “Rally é uma paixão. As pessoas estão ali porque querem competir contra si próprias. Eu não dependo do outro para ter o resultado”, justifica.
Por fim, a doutora que ama a adrenalina e ambientes vistos como masculinos por parte da sociedade, deixa um recado às mulheres. “Nunca deixar ser humilhada por ser mulher. Mostre ser competente no que faz”, conclui Fernanda.
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