Senado aprova escolhido de Bolsonaro para o STF

O Senado aprovou nesta quarta-feira, 21, por 57 votos a favor e 10 contrários, a indicação de Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF). Durante a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que durou pouco mais de dez horas, o primeiro ministro do Supremo indicado pelo presidente Jair Bolsonaro disse que a Lava Jato precisa de "correções" e afirmou não ver dificuldades jurídicas ou políticas para implementar uma quarentena ao juízes que desejam se candidatar nas eleições. O projeto poderia atrapalhar eventuais planos eleitorais do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.

Marques se definiu aos senadores como um "garantista". "O garantismo judicial nada mais é do que aquele perfil de julgador que garante as prerrogativas e direitos estabelecidos na Constituição", afirmou. O novo ministro evitou se posicionar diretamente sobre a prisão após condenação em segunda instância. A regra foi derrubada em novembro pelo Supremo, o que permitiu, por exemplo, a saída do ex-presidente Luiz Inácio Lula da prisão. "Essa matéria está devolvida ao Congresso Nacional, entendo que é o foro mais do que competente para traçar essas discussões", disse.

Com relação ao inquérito das fake news, relatado pelo ministro Alexandre de Moraes e que tem como alvo blogueiros e deputados que apoiam Bolsonaro, Marques disse apenas que é "vedado" a qualquer magistrado tecer opiniões. O novo ministro do Supremo foi provocado sobre pautas de costumes, também ligadas ao eleitor bolsonarista. Questionado a respeito de sua posição sobre o aborto, declarou que é um "defensor do direito à vida" e que o Judiciário já "exauriu as hipóteses". Sobre direitos da comunidade LGBT, respondeu que há uma "pacificação social". Recorreu com frequência às "escusas" para evitar dar opiniões. Alegou risco de descumprimento de normas da magistratura, caso se manifestasse sobre temas que poderá julgar no futuro.

<b>Política</b>

Assim como a questão da segunda instância, o Parlamento também discute a criação de regras mais rígidas para juízes que queiram entrar para a política, como maior tempo de descompatibilização, que, hoje, é de seis meses. O assunto foi trazido à tona pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), réu na Lava Jato, que aproveitou a oportunidade para tecer críticas ao "estado policialesco" e ao que definiu como perda de importância da presunção de inocência. "Não vejo nenhuma dificuldade do ponto de vista jurídico-normativo, não vejo também nenhuma dificuldade do ponto de vista social e político para o estabelecimento de quarentena para o magistrado (que quiser concorrer à eleição)", afirmou Marques.

Ao falar sobre a Lava Jato, Marques defendeu a operação, mas ponderou que "correções podem ser feitas". "As operações vão continuar sempre que houver um fato em que incida uma norma sobre ele, se houver conduta que mereça apreciação. A continuidade ou não, não parte da vontade do Judiciário", disse.

Ao sinalizar o que pode ser sua atuação no Supremo, Marques disse não ter por hábito tomar decisões individuais porque prefere privilegiar o colegiado. As chamadas decisões monocráticas estiveram no centro da polêmica sobre a soltura do traficante André do Rap, determinada pelo ministro Marco Aurélio Mello e revista pelo presidente da Corte, Luiz Fux.

Marques disse ainda não saber por que a Lei de Abuso de Autoridade não vem sendo aplicada. Sancionada em setembro de 2019, a lei prevê punição a agentes públicos, incluindo juízes e procuradores. "Pode não estar sendo utilizada, por quê? Não está havendo abusos ou não está sendo utilizada por falta de uma conformação jurisprudencial de um Tribunal Superior, que dê uma orientação de como ela será aplicada em um ou outro caso concreto?"

<b>Currículo</b>

O futuro ministro tratou das inconsistências em seu currículo logo no início da sua participação na sabatina da CCJ, que começou às 8h. Acusado de citar uma pós-graduação na Espanha que não fez e de entregar uma dissertação de mestrado com trechos idênticos a artigos de um advogado, Marques negou deslizes.

O desembargador usou parte do início da sabatina para citar Deus e a Bíblia. Também buscou se dissociar de informações de lobbies que o teriam levado ao presidente da República, em razão de um suposto trânsito com o advogado Frederick Wassef, que trabalhou para a família Bolsonaro e manteve escondido em seu escritório Fabrício Queiroz, acusado de comandar um esquema de apropriação de salário de funcionários da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). "Assisti a uma tentativa de adivinhação."

O debate na CCJ transcorreu sem grandes embates ou polêmicas. Marques foi aprovado por 25 a cinco no fim da tarde. Cerca de uma hora depois, o relatório da comissão foi aprovado no plenário do Senado.

<b>Importado dos EUA</b>

Importado dos Estados Unidos, o modelo de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal no Brasil tem sido alvo de críticas de juristas por sua celeridade e caráter meramente formal. A semelhança entre os processos americano e brasileiro, no entanto, se limita às regras gerais, com a indicação do presidente da República e a aprovação pelo Senado.

Nos EUA, apenas a sabatina dura cerca de uma semana, com várias sessões para ouvir não só o indicado, como também acadêmicos, colegas e representantes da sociedade civil para debater as ideias do candidato. No Brasil, a aprovação costuma ser votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e em plenário no mesmo dia, após a sabatina – como ocorreu ontem com Kassio Nunes Marques.

Aqui, a última vez que senadores recusaram um nome para o STF ocorreu no século 19 – apenas foram cinco rejeitados na história do Supremo. Nos EUA, a última vez que isso ocorreu foi no governo Ronald Reagan, em 1987. Um total de 12 indicados já foram recusados pelo Senado americano desde 1789, e outros 12 já tiveram suas indicações retiradas antes da votação.

"Quando você tem senadores muito atrapalhados com a lei, isso sem dúvida faz do Senado um foro difícil e inadequado para essa seleção", diz o professor Oscar Vilhena, que leciona Direito Constitucional na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele lembra que o foro privilegiado, especialmente na área criminal, é uma das principais diferenças com o sistema americano.

Para Marcelo Figueiredo, professor de Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), o problema da pressa e superficialidade na sabatina é de difícil solução. "Mostra que não há um critério lógico, racional, não há um procedimento para verificar a vida profissional do indicado". "O Senado não se compenetrou ainda no fato de que é o órgão responsável pela aprovação. Não consegue ver como um órgão julgador, se vê apenas como órgão homologador."

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