O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mandou servidores destruírem com marreta e furadeira um HD externo que armazena documentos sigilosos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. Ele acatou uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Não há registros recentes de descartes de acervos de investigações do Congresso.
Entre abril e outubro do ano passado, a CPI apurou as ações e omissões do Palácio do Planalto e do Ministério da Saúde, pasta então comandada pelo general Eduardo Pazzuello, na pandemia que matou 664 mil brasileiros. "Estou aqui há 11 anos e (a destruição) é inédita", afirma Leandro Cunha Bueno, coordenador de Comissões Especiais Temporárias e Parlamentares de Inquérito da Casa.
A destruição do HD está prevista para a tarde desta sexta-feira, 6, numa sala fechada do Senado. Os dados e as informações que serão destruídos envolvem a empresa OPT Incorporadora Imobiliária e Administração de Bens Próprios Ltda. e o site Brasil Paralelo, apoiador do governo Bolsonaro. Nenhuma das duas empresas foi citada no relatório final da CPI da Covid e seus representantes podem participar do ato.
Por ser uma prática que nunca ocorreu, ao menos na última década no Senado, os servidores precisaram "desenhar um método" para garantir a destruição do material, relatou Cunha Bueno. A Polícia Federal e a Secretaria de Tecnologia da Informação do Senado (Prodasen) foram consultados. "Todo o ato de destruição será filmado para evitar questionamento futuro", afirmou. "As imagens serão mantidas sob sigilo."
Guardado pela Secretaria de Comissões do Senado, o HD contém todos os documentos sigilosos que só podem ser acessados pelo ex-presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM). Os dados que não foram atingidos pela ordem de destruição de Gilmar Mendes serão retirados e colocados em outro HD.
Os documentos que Pacheco irá destruir estão guardados em um HD na sala cofre do Senado. Com a extinção da CPI, segundo a Casa Legislativa, a decisão sobre documentos passa a ser de competência do presidente do Senado. "Oficie-se à Presidência do Senado Federal para que proceda à imediata destruição dos documentos, dados e informações", determinou Gilmar Mendes, em duas decisões no dia 17 de fevereiro, às quais o <b>Estadão</b> teve acesso.
Em ambas, o ministro se baseou em uma lei de 1996 que regulou um trecho da Constituição. Segundo a legislação, "a gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada".
A decisão do ministro foi tomada em dois mandados de segurança do site Brasil Paralelo e da OPT. As duas empresas não foram citadas no relatório final do senador Renan Calheiros (MDB-AL), aprovado pela CPI da Covid em outubro do ano passado.
O parecer de Calheiros pediu 80 indiciamentos, dentre eles o do presidente Jair Bolsonaro (PL), por nove infrações, e de três filhos do mandatário após cerca de seis meses de investigação. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) foram acusados por incitação ao crime.
Em agosto do ano passado, o portal e a empresa tiveram as quebras de sigilo telefônico, fiscal, bancário e telemático aprovadas pela CPI da Covid. Na ocasião, os senadores Renan Calheiros, relator da CPI, e Humberto Costa (PT-PE), afirmaram que o Brasil Paralelo era suspeito "de integrar uma rede de mídias" que disseminavam fake news sobre saúde pública. Já a OPT, segundo Calheiros, autor do requerimento, tinha "grande correlação" com a Precisa Medicamentos – então intermediadora da vacina Covaxin para o Ministério da Saúde e investigada pela comissão.
Após a decisão da CPI, as empresas recorreram ao Supremo. Gilmar Mendes limitou a decisão da comissão, suspendendo algumas quebras de sigilo e o período de interceptação. Determinou, à época, que os dados sobre as duas empresas, obtidos pela CPI, fossem mantidos sob a guarda do presidente da Comissão, Omar Aziz (PSD-AM), e compartilhados com o colegiado "apenas em reunião secreta e quando pertinentes ao objeto da apuração".
O relatório final foi entregue pelos senadores da CPI ao procurador-geral da República, Augusto Aras, no dia 27 de outubro, um dia após a aprovação do relatório por parlamentares da Comissão.
O <b>Estadão</b> procurou as duas empresas, mas ainda não obteve contato. Ambas argumentaram ao Supremo que os dados são sigilosos e que deveriam ser destruídos após o fim das investigações da CPI. O espaço está aberto para manifestações.