Mundo das Palavras

Ser humano: uma complicação



Quem alimente a veleidade de se tornar um bom produtor de textos tem de aprender a gostar de pensar sobre si próprio, como um enigma desafiador do seu próprio entendimento. Este prazer de pensar sobre si mesmo leva qualquer um a perceber claramente as limitações de suas possibilidades de entendimento.


 


Afinal, quantas pessoas entre aquelas que todos os dias apertam um botão no painel do elevador do prédio onde moram são capazes de explicar como este gesto, tão corriqueiro, faz o equipamento se movimentar? Quantas sabem por que uma lâmpada se acende quando pressionam o interruptor, na parede? Ou sabem como sua residência se mantém de pé? Ou, como as peças do motor de seu carro o fazem andar? Ou, por que o avião se desloca no ar?


 


A verdade é que consumimos nossa existência dentro de um cenário sobre o qual ignoramos quase tudo. E, o que é pior, também ignoramos quase tudo sobre nosso próprio corpo, a base material sobre a qual assenta nossa vida. O corpo nos arrasta por todos os tipos de situações.  Vemos que ele cresce, e, envelhece, sem entendermos bem como isto acontece. Sequer sabemos como, através dele, um alimento, uma paisagem, uma música nos proporciona prazer.


 


Com tanto desconhecimento e tanta limitação, como poderíamos entender as questões mais profundas, resumíveis a uma única indagação: o que é esta experiência pela qual estamos passando, chamada vida, na qual usamos um instrumento – o corpo – cuja complexidade em grande medida não alcançamos, tendo à nossa volta, um cenário formado de elementos cujos funcionamentos não entendemos por completo?  Tais questões podem ser concentradas também numa curta indagação: o que eu sou?


 


Ninguém se iluda, pouquíssimas pessoas dedicam algum tempo a estas questões. Porque, de certo modo, é reconfortante ocupar a mente apenas com as preocupações imediatas: a prestação a ser paga, a próxima viagem, a insegurança no trânsito. No entanto, um autor que pretenda escapar dos textos banais, pouco originais terá inevitavelmente de mergulhar na angústia própria de quem pensa muito. Infelizmente – ou, de modo contraditório, por felicidade – para nós mesmos, continuaremos a ser um imbróglio, uma encrenca. Uma complicação tão grande que enquanto objeto de reflexão escapamos da nossa própria compreensão. Complicação, aliás, que vai parecer maior ainda, caso uma tendência já existente, há algumas décadas, se firme no campo das ciências. A tendência da admissão de que a realidade na qual estamos imersos é apenas aquela captável pelo nosso cérebro. Não é a realidade, de fato. Mas uma expressão dos limites da nossa mente.


 


Quem sabe, um dia, terminemos por concluir que somos apenas um delírio, sem, sequer sermos seres delirantes. E que, por nos constituirmos apenas disto, findaremos quando o delírio acabar. Provavelmente, sem saber se o delírio – a que chamávamos de vida – é uma criação de nosso cérebro, descontrolado. Ou se, na verdade, o nosso cérebro é que existe apenas no delírio.


 


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP


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