Mundo das Palavras

Ser mulher é mais interessante que ser homem?


Os jornalistas da geração de Roberto Benevides são aqueles que, em São Paulo, começaram sua vida profissional na imprensa – todos com cerca de 20 anos de idade – cobrindo acontecimentos, hoje, integrados à História Política e à História das Artes, no Brasil. Com aquela idade, eles escreviam sobre o confinamento de Jânio Quadros em Corumbá, a guerra campal entre alunos da Faculdade de Filosofia e da Universidade Mackenzie, na Rua Maria Antônia, a greve dos operários de Osasco, o atentado contra os atores do Teatro Oficina, o lançamento do LP Tropicália, no Avenida Dancing, da Rua Ipiranga.  Era um tempo no qual jovens como os que compunham o grupo de jornalistas iniciantes, sufocados pela Ditadura Militar, tomavam decisões dramáticas como a de aderir à luta armada contra o regime vigente no país, a de se suicidar, por inconformismo, a de virar hippie.


 


            Benevides, entre os jovens, impressionava por propiciar a quem convivia com ele a sensação raríssima criada pela inteligência. Uma sensação diferente da que nos dá um interlocutor dotado de sensibilidade. E aqueles jovens eram pessoas sensíveis e também, inteligentes, embora não tanto quanto Benevides. Afinal, sem inteligência seria impossível sobreviver numa Redação, na conflitada situação política do país, naquele instante.


 


Não é fácil descrever a sensação experimentada por quem conversa com uma pessoa inteligente. No caso de Benevides, era algo que provinha do modo rápido, surpreendente, como ele entendia algo com profundidade.


 


            Pois bem. Um dia, em meio a uma conversa sobre a existência humana, o heterossexual Benevides, espantou seus colegas com este comentário: – É claro que ser mulher é muito mais interessante do que ser homem.


 


            Mas, o que poderia haver de interessante no destino de tantas mulheres que ocupam páginas de jornais e revistas, na condição de vítimas de abuso sexual, espancamento, assassinato? A imprensa diariamente apresenta este estereótipo da mulher sofredora. E isto só foi contrariado, de modo  frontal, quando os jornais e revistas se preocuparam com as feministas. Naquela ocasião, porém, surgiu outro estereótipo, o da militante assexuada, movido pelo ódio aos homens. Duas simplificações caricaturais brotadas de uma sociedade violenta. Jamais poderiam se ajustar à visão de Benevides.


 


            No entanto, agora, há um livro que apresenta a mulher numa outra situação. Publicado pela Litteris, editora do Rio de Janeiro, foi escrito com o único objetivo de deixar registrado para o círculo familiar e para os amigos das suas quatro autoras os momentos de alegria que elas viveram juntas. Tem o título singelo de “Quatro amigas e suas histórias”. Nele, Kátia Lazera, Adriana Sales, Ana Uchoa e Débora Bemerguy reconstituem passeios noturnos, aventuras sexuais e viagens. Estes eventos não somente compõem uma sagaz estratégia de sobrevivência num país machista como o nosso.


 


Também revelam, nele, um insuspeitado espaço para a felicidade feminina, embora, é verdade, infelizmente ainda reservado às brasileiras como as autoras, com bom nível de escolaridade, profissionalização e autonomia financeira. De qualquer forma, este é um livro que infunde esperanças. Quem sabe, um dia, o Brasil se torne o país sonhado pela geração de Benevides. Todas as brasileiras terão, então, histórias alegres para contar, como as do livro. E a frase dele ganhará brilho ainda maior.


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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