A cena já entrou para a história: John Fitzgerald Kennedy está atravessando uma avenida no centro de Dallas, no Texas, em um luxuoso carro aberto. De repente, a cabeça do presidente norte-americano dá um grande solavanco para trás e ele cai ferido no banco do carro, enquanto seguranças correm para proteger a primeira-dama, Jaqueline Kennedy. O crime, ocorrido em 22 de novembro de 1963, entrou para o imaginário popular por duas questões: por que mataram Kennedy e o que teria acontecido com o mundo se o presidente não tivesse sido assassinado?
Enquanto a primeira questão já foi parcialmente resolvida com investigações sobre a vida de Lee Harvey Oswald, a segunda fica a cargo da imaginação de cada um. E uma das pessoas que imaginaram os desdobramentos deste cenário hipotético foi o escritor Stephen King. Ele lançou, em 2011, Novembro de 63, um livro que reconstrói o cenário político e social dos anos que antecederam o assassinato e, principalmente, imagina o que aconteceria se Kennedy tivesse sobrevivido.
Sucesso de vendas em todo o mundo, o livro virou série de oito capítulos, produzida e distribuída nos Estados Unidos pela Hulu – plataforma de streaming rival da Netflix e que também está apostando em produções originais. Apesar do serviço de streaming não estar disponível no Brasil, a série acaba de ser lançada no País em DVD com o título original em inglês, 11.22.63, e com uma história que, até mesmo para quem está distante da realidade norte-americana, causa interesse e curiosidade.
Trama
Com roteiro adaptado por Bridget Carpenter e produzida por Stephen King e J.J. Abrams, a série tem uma ideia inteligente, apesar de alguns elementos sobre viagem no tempo batidos. Ela acompanha Jake Epping (James Franco), um professor que tem uma vida monótona e sem muitas emoções até que o dono de uma lanchonete, Al Templeton (o ótimo Chris Cooper), apresenta uma passagem na dispensa do seu estabelecimento que leva para o ano de 1960. O objetivo é claro para Templeton: esperar três anos para conseguir impedir o assassinato de Kennedy e, em tese, deixar um mundo melhor para as pessoas. Epping, ansioso por dar uma nova cor à sua vida monótona, aceita a missão quase de prontidão.
Em um primeiro momento, o objetivo de impedir o assassinato é o grande ponto central da série. Afinal, não é tarefa fácil reconstruir o personagem de Lee Harvey Oswald, que é desnudado na tela em momentos íntimos da sua vida – como a relação com a esposa, com a mãe e, em um aspecto mais geral, com a sociedade capitalista que o cerca.
Entretanto, a trama perde um pouco da força com a atuação de Daniel Webber, que, apesar da semelhança física, entrega um Lee Oswald apático dramaticamente e que mostra intensidade apenas nos momentos de explosão da personagem. Além disso, a trama não consegue prender quando acompanha a vida do criminoso, já que muitas pontas ficam soltas e alguns suspenses criados pelo roteiro possuem desfechos óbvios.
A série, então, acaba ganhando mais pontos positivos pelas beiradas e pela intensidade dramática do que pela história principal do assassinato. Franco, que entrega a sua melhor interpretação em anos, deixa o público mais interessado em sua jornada para se adaptar aos anos 1960 do que com o assassinato em si.
Além disso, um limitador deixa a história mais interessante: não podem ser criados laços sentimentais em 1960, sejam amizades ou romances. Afinal, ao acabar sua missão, ele teria que voltar para 2016 e nunca mais retornaria para o passado. Se entrasse novamente na passagem temporal, o professor apagaria tudo o que foi feito e, obviamente, todas as pessoas envolvidas nem ao menos se lembrariam dele – e Kennedy voltaria a ser assassinado, caso a missão tivesse obtido sucesso.
A regra, como seria natural de qualquer ser humano sociável, não é respeitada e logo Epping acaba encontrando um grande amigo e uma namorada, além de um emprego em uma escola típica do anos 1960 – diretor austero, alunos reprimidos. As relações sociais, então, acabam tomando conta da série, que transforma o assassinato de Kennedy apenas em um pano de fundo e assim, surpreendentemente, a história fica ainda mais interessante. Afinal, Epping, que tem uma vida sem graça na atualidade, acaba encontrando seu espaço na sociedade. Situação clichê, mas, devido ao tema da série, acaba ficando atraente para o espectador.
O final, emocionante e memorável, deixa ainda mais claro que a série é, na verdade, sobre a reação das pessoas quando colocadas em situações sociais extremas, como a dualidade existente no ato de amar mesmo sabendo que a relação irá acabar algum dia ou, até mesmo, na pressão em querer fazer parte da história ao atirar na cabeça de um presidente. Neste momento, a imaginação de qualquer um entra em sintonia com a série e fica a pergunta: o que eu faria se pudesse voltar no tempo? Mudaria a história ou mudaria a minha vida?
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.