As discussões sobre corte de salário do funcionalismo para dar fôlego ao setor público em tempos de coronavírus levaram os servidores a reagir. Sindicatos e entidades de classe tentam organizar o discurso e intensificaram o "corpo-a-corpo" com parlamentares – virtual e por telefone, respeitando o isolamento social.
O argumento dos representantes das categorias é de que o corte de salário não foi adotado em nenhum país do mundo e que tem pouco impacto financeiro. Além disso, citam a criação de um imposto sobre grandes fortunas como alternativa mais viável para aumentar a arrecadação federal.
Segundo o Estadão/Broadcast apurou, o corte de salários dos servidores vem sendo discutido dentro do "pacote" de auxílio aos Estados e dependerá da evolução das discussões. Entre os pedidos apresentados por secretários estaduais de Fazenda ao governo federal está a redução de despesas obrigatórias, sendo a principal a folha de pagamento.
Diante da possibilidade que o governo deve dar para que empresas afetadas pela crise suspendam contratos temporários ou reduzam a jornada e o salário dos empregados da iniciativa privada, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu "a contribuição de todos os Poderes", incluindo o funcionalismo público.
"Não basta o presidente da República adotar posturas na qual o Brasil se isola do ponto de vista internacional, uma medida como essa seria um caso único no planeta hoje", afirma o presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras de Estado (Fonacate), Rudnei Marques.
Segundo ele, muitos servidores estão atuando no combate à epidemia, diretamente, como os funcionários da saúde e segurança, e também indiretamente. "É a Receita desembaraçando máscaras, a diplomacia tentando repatriar brasileiros presos em outros países. Por mais que o ministro (da Economia, Paulo) Guedes tenha descaso pelo serviço público, são os parasitas que neste momento têm de resolver as coisas", afirmou.
Os sindicalistas ressaltam ainda que poucas categorias do funcionalismo estão paradas por causa do isolamento imposto pela pandemia e que muitas categorias continuam trabalhando em esquema de home office.
"No caso dos advogados públicos, o trabalho teve um grande aumento pela urgência que estamos precisando dar em relação aos processos, já que estão surgindo muitas ações judiciais. Nossos trabalhos continuam sendo feitos nas suas residências, os sistemas são eletrônicos", afirma a presidente da Associação dos Advogados da União (Anaune), Márcia David.
O presidente da Frente Parlamentar de Defesa do Serviço Público, deputado Israel Batista (PV-DF), critica a medida e diz que está mobilizando parlamentares de partidos de esquerda e do centro para barrá-la. "Nossa posição é contrária ao corte, porque acreditamos que não vai ser acompanhado de uma política eficiente de redistribuição e vai apenas enxugar recursos do mercado. É uma política perigosa, que pode provocar queda ainda mais aprofundada do consumo e gerar demissões no setor privado", completa.
A reação dos servidores será insistir na tributação de grandes fortunas e de lucros e dividendos.O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Unafisco), Mauro Silva, divulgou um estudo que mostra que a tributação de brasileiros com patrimônio acima de R$ 5 milhões e que tenham ao mesmo tempo renda total acima de 80 salários mínimos por mês (R$ 83.600) arrecadaria R$ 59 bilhões por ano. A alíquota de 4,8% seria paga por 220 mil pessoas. "Há inúmeras fontes de recursos muito mais compatíveis com a crise do que retirar dinheiro do salário de quem está no mercado de trabalho", defendeu.
Nos últimos dias, propostas de redução do salário dos servidores públicos foram defendidas por parlamentares e economistas. Já há no Congresso projetos que preveem a redução de salário do funcionalismo para fazer frente à crise e uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC) deverá ser apresentada com base em um estudo do economista Matheus Garcia, do Movimento Livres. Ele calcula que uma redução de 30% no salário do funcionalismo federal, estadual e municipal bancaria um programa de renda mínima de R$ 200 mensais para 55 milhões de pessoas.