O setor elétrico decidiu se mobilizar para tentar reduzir o estrago que os "jabutis" da medida provisória da Eletrobras poderão causar sobre os investimentos em energia nos próximos anos.
Em troca da aprovação da proposta na Câmara, governo e mercado fecharam os olhos para os custos que os parlamentares embutiram para a conta de luz dos consumidores, que incluem termoelétricas em locais onde não há reservas ou gasodutos, contratação obrigatória de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) nos leilões e renovação de contratos de energia velha a preços superiores ao de usinas novas.
Agora, associações e especialistas da área de energia e gás trabalham para retomar o texto original enviado pelo Executivo no Senado. No limite, não está descartada a possibilidade de convencer os senadores a deixar o texto caducar – o que impediria a capitalização da estatal, que não pode ocorrer sem aval do Legislativo.
Aprovada em uma única sessão na quarta-feira passada na Câmara, a MP da Eletrobras precisa ser aprovada até o dia 22 de junho pelo Senado para não perder validade. Se os senadores modificarem o texto, ele terá de voltar para mais uma análise dos deputados, o que aumenta o risco da perda do prazo.
Especialistas ainda estão refinando os cálculos, mas as estimativas apontam que os "jabutis" – como são chamadas as emendas que mudam o teor original das medidas provisórias enviadas ao Congresso – superam os R$ 60 bilhões que o governo pretende levantar com a privatização da Eletrobras. A operação se dará por meio da oferta de novas ações da companhia no mercado, reduzindo a fatia detida pela União de 60% para 45%.
Na avaliação do presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), Mario Menel, as medidas embutidas no texto na Câmara ferem os princípios defendidos no setor elétrico há anos, inclusive em consultas públicas feitas pelo Ministério de Minas e Energia (MME). "A gente defendia princípios como melhor alocação de custos, de benefícios e de riscos", afirmou. Segundo ele, a criação de uma reserva de mercado – com a obrigação de usinas termoelétricas – para uma determinada fonte de energia pode resultar em aumento de custos para todos os consumidores.
Nos bastidores, há outra preocupação em comum. Como a demanda das distribuidoras nos leilões vem caindo em razão da migração de consumidores para o mercado livre e pelo crescimento da geração distribuída, há receio de que investimentos em usinas eólicas, hidrelétricas e solares centralizadas não se viabilizem, mesmo que elas sejam mais baratas, uma vez que haverá contratação obrigatória de termoelétricas e PCHs.
O presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Paulo Pedrosa, já vinha alertando sobre as emendas há semanas. "As mudanças no projeto da Eletrobras surpreenderam muita gente que agora está fazendo a conta e descobrindo que vai ter de pagar pelos jabutis da privatização que vai aumentar os riscos e reduzir o mercado de outros investidores", disse. "Agora, nós, consumidores, não estaremos mais sós nessa batalha."
O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, vê o texto aprovado pela Câmara com apreensão, especialmente o trecho que determina a quantidade de energia de termoelétricas que deverá ser contratada e os locais onde elas deverão ser instaladas. "Esses pontos nada tem a ver com a essência da privatização. São resultado da pressão política de alguns grupos e distorceram muito o objetivo original", afirmou. "Deixar para os parlamentares definir tipo de usina, local e tamanho não faz sentido."
Alguns partidos já se mobilizam para tentar derrubar as modificações feitas pelos deputados. "Nós vamos tentar eliminar o que veio da Câmara, fazendo prevalecer o projeto original. Da forma como veio da Câmara não temos condições de votar", afirmou o líder do Podemos, senador Álvaro Dias (PR). Sem detalhar, ele afirmou que o partido deverá apresentar requerimentos para "impugnar" os trechos considerados estranhos.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>