Quem já visitou o site de M. Night Shyamalan por certo experimentou o estranhamento. O visitante é guiado por um corvo, e por meio dele entra numa casa abandonada, tendo de procurar os próprios meios para avançar no edifício que constitui a obra do autor indiano-norteamericano. O M é de Manoj e Night é pseudônimo. Na verdade ele é Nelliyattu Shyamalan, nasceu em Kerala, na Índia, em 6 de agosto de 1970 – há 52 anos. Filho de médicos, Manoj, ou Night, migrou com os pais para os EUA na infância.
Nesta sexta, 3, que será de Noitão no Petra Belas Artes, o encantamento – o enigma? – Shyamalan está de volta. Na América, a família estabeleceu-se na Filadélfia, que virou cenário da maioria de seus filmes. Aos 8 anos ele ganhou uma câmera e passou a fazer filmes domésticos. Mirava sempre no seu ídolo – Steven Spielberg. É no mínimo curioso que seu novo longa, Batem à Porta, esteja chegando aos cinemas no momento em que Spielberg mais uma vez concorre ao Oscar da Academia, agora pelo autobiográfico Os Fabelmans. Em 1992, aos 22 anos, Shyamalan realizou Praying With Anger. Em 1998 fez Wide Awake, que no Brasil se chamou Olhos Abertos. No ano seguinte, estourou com O Sexto Sentido.
O sucesso de público e crítica foi imenso, logo confirmado por Corpo Fechado, em 2000. Na sequência vieram Sinais, A Vila, A Dama na Água, etc. A carreira tornou-se ziguezagueante, nenhum outro filme faturou tanto como os primeiros, mas Night tornou-se objeto de culto. Corpo Fechado/Unbreakable já nasceu para ser trilogia – e vieram Fragmentado, Vidro. Em 2021, numa trégua da pandemia, quando reabriram os cinemas, estreou Tempo. Shyamalan tem novo filme que estreia nesse mês de fevereiro, Batem à Porta. Será o carro-chefe do Noitão. O espectador do Petra conhece o formato. Um filme em pré-estreia, outro para compor o programa e o terceiro um título surpresa.
Serão duas salas. Na 1, Villa-Lobos, a programação se chamará Vejo Gente Morta. Começará com Batem à Porta, seguido de O Sexto Sentido e o filme-surpresa. Na 2, Leon Cakoff, sob a bandeira Mande Um Sinal, serão apresentados Batem à Porta, Sinais e o filme-surpresa. Os títulos, no cinema de Shyamalan, nunca são acidentais. Sexto Sentido, De Corpo Fechado, Sinais, A Dama na Água. Não são só histórias, é também e principalmente a forma de narrá-las, como sabe quem viu A Dama da Água. Como se conta um conto? Shyamalan, com certeza, nutriu Jordan Peele, com a diferença de que o outro fez de seus filmes uma forma de refletir sobre o racismo na sociedade dos EUA. O racismo está na essência de Corpo Fechado.
OK – Shyamalan nutriu Peele, mas a via é dupla. Sinais já antecipava Não! não Olhe!, o que ou quem são aqueles alienígenas? Quem são os duplos de Nós? Os sinais agora são ainda mais intimidadores. A casa é invadida e os invasores chegam para uma coerção brutal. Vale lembrar de A Escolha de Sofia, que Alan J. Pakula adaptou do romance de William Styron, e que valeu a Meryl Streep seu primeiro Oscar de melhor atriz, em 1982. Os pais terão de escolher um filho que será morto, senão será a própria humanidade a perecer. Em muito menos tempo do que Shyamalan – Corra! é de 2017 -, Peele estabeleceu o que não é frequente na produção de Hollywood.
Um cinema metafórico, carregado de símbolos que expressar a crítica política e social. Em Shyamalan, os sinais – os signos e símbolos – não são menos fortes, mas a linguagem se superpõe à política. Um de seus filmes considerados mais estranhos e enigmáticos – A Dama na Água, de 2006 – já deixava isso claro. A garota que Paul Giamatti salva – Bryce Dallas Howard – é uma personagem de contos infantis que está tentando retornar ao universo de fabulação a que pertence. Os sinais na plantação de Mel Gibson orientam os ETs, A Vila é um enclave que de alguma forma antecipa Tempo. Um tempo que permanece passado, intocado, e outro que corre acelerado. E sempre os monstros – A Vila -, embora os maiores monstros, para Shyamalan, sejam sempre as próprias pessoas. O que é o monstro de A Vila? É a projeção criada por uma sociedade repressora para manter seus cidadãos na linha. Assusta – menos ? – do que James McAvoy em Fragmentado e Vidro.
Embora cultuado, Shyamalan está longe de ser uma unanimidade. Foi indicado diversas vezes para prêmios de pior diretor, e ganhou o Razzie de 2007 por A Dama na Água. Como outro de seus diretores favoritos – Alfred Hitchcock -, faz aparições nos próprios filmes, mas não são meras pontas. São papéis importantes – o médico de O Sexto Sentido, o traficante de Corpo Fechado, etc. Os filmes de Shyamalan apresentam sempre reviravoltas, e o twist final, que geralmente dá nova perspectiva ao drama, é umas de suas marcas registradas. Outras características – a importância atribuída aos temas da fé e da religião, e a participação de pessoas comuns em eventos extraordinários.
A parceria com Bruce Willis foi decisiva na avalancagem do nome de Shyamalan em O Sexto Sentido e Corpo Fechado. Por melhores que sejam certos atores em filmes dele – Willis, McAvoy, Samuel L. Jackson -, o maior acerto do autor talvez tenha sido a escolha de Haley Joel Osment como o garoto de O Sexto Sentido. Osment não era estreante. Havia feito o filho de Tom Hanks em Forrest Gump, mas foi como Cole, repetindo sua frase de impacto – "I see dead people" -, que ganhou merecidas indicações para o Globo de Ouro e o Oscar, um dos mais jovens atores indicados para os prêmios.
<b>Noitão – Shyamalan</b>
Cine Petra Belas Artes. Rua da Consolação, 2.423, Consolação, 2894 5781
6.ª (3), a partir de 23h30.
Preço dos ingressos Noitão: R$40
www.cinebelasartes.com.br