Opinião

Sim, nós somos culpados

Como jornalista profissional há 20 anos, venho a público declarar que sou culpado. E tenho orgulho desta condição em um país onde a impunidade prevalece. Onde um vereadorzinho de meleca posta na rede social que está à beira de uma piscina, em um hotel de luxo de um paraíso no Nordeste, graças ao dinheiro público. Que o povo o colocou numa posição de príncipe.


Sou culpado por exercer uma profissão que tem como uma das missões transformar a sociedade. Sou culpado toda vez que não aceito o conformismo barato e procuro, por meio dos veículos em que atuo, traduzir os fatos do cotidiano em notícias.


Nesse vai e vem  da vida, em que o jornalismo se apoia, pessoas de bem – entre as quais, obviamente, me incluo – e que exercem essa profissão bendita, acabam por descobrir mazelas praticadas por quem deveria zelar pela sociedade. E, por sermos culpados, como eles gostam de salientar, traduzimos essa triste realidade nas páginas dos jornais e revistas.


Nesses 20 anos de culpas que carrego em meu currículo, lembro de ter contribuído – ao fazer a tradução da realidade para o papel – para grandes mudanças na sociedade. Não fosse a imprensa, muito dificilmente os escândalos que visitavam os bastidores do Bom Clima, na segunda metade dos anos 90, iriam se tornar públicos.


Aliás, aqueles que adoravam municiar esses culpados de agora com dossiês, que lhes eram oportunos, hoje nos condenam, atribuindo a nós a pecha de responsáveis por tanta queda de ministro, por exemplo. Obrigado, senhores. Aliás, que só chegaram ao poder pisando nas costas destes culpados de agora. Pena que não têm memória. Se têm, são caras de pau mesmo.


Aliás, assumirei aqui mais uma culpa. A de entender que eles são detentores de ótimas memórias. Que não devem se esquecer do que falaram ou do que escreveram. E nem de quem usaram. E que fizeram tudo de caso pensado. Tudo para chegar ao poder. 


Só que no céu, onde se consideram deuses, em vez de inverterem o estado das coisas, tornaram-se piores que seus adversários. Como inocentes, não lhes resta outra coisa que buscar culpados. Culpados por divulgar – ou (sendo repetitivo) traduzir para o mundo real – tudo de mal que fazem à sociedade.


Sim. Sou culpado. E serei sempre que perceber que estão limpando os cofres públicos. Mas culpado por fazer essa tal de tradução. Não por inventar fatos ou, pior, meter a mão na cumbuca. Culpado por ser da imprensa. Culpado por ser jornalista. Mas inocente por ser livre. Por ser independente. Por ser honesto.


 


Ernesto Zanon


Jornalista, diretor de Redação do Grupo Mídia Guarulhos, escreve neste espaço na edição de sábado e domingo


No Twitter: @ZanonJr

Posso ajudar?