Estadão

Sob críticas, diplomacia brasileira se equilibra entre Kiev e Moscou

Um ano após o início da guerra na Ucrânia, o Brasil segue uma estratégia de neutralidade frente ao conflito, posição histórica do Itamaraty, mas que já começa a despertar descontentamentos entre aliados ocidentais e Kiev. Embora o Itamaraty de Lula esteja revertendo as políticas do governo de Jair Bolsonaro, a posição frente à invasão russa se manteve ambígua, uma estratégia que especialistas e embaixadores questionam se será viável manter em caso de escalada da guerra.

A posição do Ministério das Relações Exteriores, agora sob o comando novamente de Mauro Vieira, frente ao conflito na Europa é o grande "elefante na sala" da diplomacia brasileira, apontam analistas. De um lado, uma nação soberana atacada por uma potência e que recebe apoio dos EUA e outros aliados estratégicos do Brasil; de outro, um parceiro brasileiro de longa data que sustenta o consumo de fertilizantes e integra o Brics. Assim como demais nações emergentes, o Brasil optou por não isolar a Rússia e adotar uma posição de diálogo com ambas as partes do conflito.

"A diplomacia brasileira até agora, e já no governo Bolsonaro, adotou uma linha ambígua", aponta o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Ricupero. "O Brasil votou na ONU para condenar a invasão, mas nas outras vezes se absteve. Quando condenou fez uma declaração dizendo que não aprovava o fornecimento de armas à Ucrânia."

O único momento em que analistas viram uma subida de tom do Brasil foi durante a visita de Lula a Joe Biden nos EUA, este mês, quando o brasileiro lamentou "a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia" e citou "violações flagrantes do direito internacional" por Moscou.

<b>Munição</b>

A posição mais clara do Brasil até o momento é a de ser contra o envio de armas à Ucrânia, que foi exacerbada durante a visita em janeiro do chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, que ouviu um "não" de Lula quando pediu munição para seus tanques Leopard que prometeu enviar a Kiev. Mas a posição é criticada.

"O Ocidente não fornecer armas à Ucrânia para se defender seria condená-la à anexação total pela Rússia", lamenta o ex-embaixador do Brasil nos EUA e na China Roberto Abdenur. Uma afirmação semelhante foi feita por Ricupero. Segundo Abdenur, "ser neutro diante da barbaridade que está acontecendo é ser, na prática, leniente ou quase conivente com a Rússia".

"Aquela ideia de que o Brasil é sempre distante e quer ficar em cima do muro, por um lado nos deu uma certa tranquilidade, mas por outro poderá colocar o Brasil numa situação difícil daqui para frente", aponta o professor de Relações Internacionais da FGV, Guilherme Casarões. "Porque, dependendo do agravamento da guerra, o Brasil será instado a se posicionar, e a gente não sabe exatamente como o Brasil vai conseguir atuar."

<b>Diferenças</b>

O professor ressalta que, apesar de provocar o mesmo efeito, a estratégia de ambiguidade de Lula é diferente da de Bolsonaro. Enquanto este utilizava a neutralidade de maneira ideológica e via em Vladimir Putin sua salvação do isolamento internacional, Lula avalia sua relação de longa data com Putin e o fato de a Rússia ser integrante do Brics, grupo formado em seu governo.

Outro importante motivo é não prejudicar as relações comerciais com Moscou, responsável por grande parte das importações de fertilizantes do Brasil. Apesar das sanções ocidentais à Rússia, o comércio entre Brasil e Moscou aumentou em 2022. As importações de produtos russos em 2022 foram 37% maiores que em 2021, enquanto as exportações cresceram 23%. A Rússia foi o 6.º maior vendedor de produtos para o Brasil, sendo que 71% desse comércio foi de fertilizantes químicos.

<b>Agenda</b>

Os temores são agora com a posição brasileira em futuras agendas. Em abril está programada a visita do chanceler russo, Serguei Lavrov, ao Brasil. Abdenur pontua que fechar às portas ao russo não seria uma opção, mas é preciso tomar cuidado com manifestações calorosas à Rússia.

Antes, o presidente brasileiro viaja à China, onde pretende levar seu plano de um grupo emergente para negociar a paz na Ucrânia a Xi Jinping – o outro elefante na sala da atual diplomacia brasileira. Uma proposta vista com ceticismo pelo Ocidente, mas que analistas reconhecem ser possível ainda que ambiciosa.

Em paralelo, a Ucrânia trabalha para quebrar a neutralidade da América Latina. Diversos países, a maioria emergentes, têm permanecido no muro com relação ao conflito, focados em proteger seus interesses em meio à turbulência econômica e geopolítica causada pela invasão.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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