O julgamento sobre a adoção ou não de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas avançou no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira, 31. O placar de 4 a 2 contra a tese segundo à qual os povos originários só podem reivindicar áreas territoriais que ocupavam até outubro de 1988, data da Constituição Federal, foi construído com os votos de Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso.
Zanin, o mais novo ministro da Corte, foi contra a tese com o argumento de que é necessário o impedimento de "retrocessos que reduzam a proteção dos povos indígenas". O posicionamento do ministro, ex-advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi precedido por uma forte pressão do PT e de representantes do próprio governo.
Na terça-feira, 29, véspera da retomada do julgamento no Supremo, Zanin recebeu a visita da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. Ontem, Guajajara assistiu ao voto do ministro indicado por Lula na primeira fileira do plenário do Supremo.
Divulgada no dia anterior, uma resolução do diretório nacional petista fez críticas veladas aos posicionamentos de Zanin no seu primeiro mês na Corte. A direção do partido se manifestou favorável a quatro matérias de discussão que tiveram voto contrário do ministro. A cúpula do PT também reafirmou ser contra a adoção de um marco temporal no País.
Neste caso, o voto dado por Zanin ontem está em sintonia com a base aliada ao governo Lula. O ministro afirmou ver "impossibilidade de se impor qualquer tipo de marco temporal em desfavor dos povos indígenas que possuem a proteção da posse exclusiva desde o império, em sede constitucional, a partir de 1934". Segundo ele, a Constituição garante a permanência dos povos indígenas nas terras tradicionalmente ocupadas, o que é "indispensável para a concretização dos direitos fundamentais básicos destes povos".
Entre a militância de esquerda havia uma grande expectativa em relação ao voto de Zanin no caso do marco temporal. O ministro já havia votado contra o reconhecimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental sobre violência policial contra os povos guarani e kaiowá no Mato Grosso do Sul. Ele também deu voto contrário à descriminalização do porte de drogas para consumo próprio e à equiparação de homofobia ao crime de injúria racial.
A postura considerada "conservadora" do ministro rendeu forte críticas a ele nas redes sociais e entre líderes políticos da esquerda.
Ontem, Zanin seguiu os posicionamentos do relator, Edson Fachin, e do ministro Alexandre de Moraes. Além de Zanin e Barroso, os dois outros votos já apresentados no julgamento foram dados por Kassio Nunes Marques e André Mendonça, que se posicionaram a favor da tese do marco temporal.
Dezenas de indígenas voltaram a lotar o plenário do Supremo para acompanhar a sessão de ontem. Indígenas também se reuniram do lado de fora do prédio da Corte e se manifestam na Praça dos Três Poderes. O julgamento vai determinar o futuro de mais 300 territórios ocupados por povos originários em todo o País.
<b>Indenização</b>
Além de não reconhecer a tese do marco temporal, Zanin acompanhou o voto de Fachin quanto à "indenização de benfeitorias decorrentes das ocupações de terras indígenas feitas de boa-fé" – pessoas que ocuparam os territórios sem saber que se tratavam de áreas dos povos originários. O ministro ainda defendeu a indenização de quem "recebeu de boa-fé a titulação de áreas alcançadas por demarcações". Para o ministro tais reparações devem ser analisadas caso a caso, a partir de uma apuração de responsabilidade civil do Estado.
<b> Tradicionalidade </b>
Na sequência do julgamento, Barroso também votou contra o marco temporal. Em sua manifestação, o ministro ressaltou que a Constituição reconhece aos indígenas direitos originários sobre terras tradicionalmente ocupadas, "desde que demonstrado o vínculo de tradicionalidade com a terra por meio de perícia antropológica, cabendo à União e à Funai proteger as terras enquanto incurso o processo de demarcação". "Nós desmistificamos a ideia de que haveria um marco temporal", afirmou.
O julgamento será retomado na próxima semana, com o voto do ministro Luiz Fux.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>