Quando David Bowie se despediu com seu último clipe, muitos amigos do ator Álamo Facó lhe enviaram o link do vídeo de Lazarus. Nas cenas de um quarto abandonado, o cantor, com os olhos vendados, declarava sua derradeira liberdade e o desejo de transcender o paraíso e o perigo em que se sentia. Na ocasião, Facó tinha acabado de estrear o solo Mamãe, e começava a se dividir no palco entre as personagens Lázaro e Marta, figuras bíblicas. O texto de sua autoria reconta os últimos cem dias da mãe, a arquiteta Marpe Facó, morta em 2010, vítima de um tumor cerebral. “Não fiz essa relação entre as personagens”, conta o ator. “Embora Bowie e sua morte, dias depois do clipe, tivessem me provocado ainda mais.” A montagem estreia nessa quinta-feira, 7, no Sesc Pinheiros.
Além de tantos links enviados, as redes sociais do ator registraram uma enxurrada de relatos do público carioca. O ator recorda que muitas pessoas mandaram mensagens compartilhando suas experiências dolorosas. “Perder alguém próximo é uma situação que todos nós vamos passar.”
Mas a peça não pretende ser um espetáculo de lamentações, defende o ator. Ele explica que procurou fugir de uma encenação óbvia que propusesse retratar o ambiente hospitalar. “Apostei em mesclar as lembranças dela e de nossa família.” A referência médica fica a cargo de três umidificadores que soltam vapor de água sobre cadeiras transparentes. “Esses aparelhos domésticos ainda nem haviam se popularizado no mercado quando estreei,” lembra.
No palco, Lázaro é um filho rebelde que entra em um embate com a mãe. Se a personagem de Marta está bem definida, na fala e gestos exagerados de Marpe, Facó ressalta que Lázaro não se parece em nada com ele. “Busquei o perfil de um filho que fosse o oposto da mãe, que fosse rebelde e insensível com ela.” Entretanto, Facó recorda que esse temperamento ardente se manifestava nele, durante os quase quatro meses no hospital. “Eu pesquisava procedimentos em outros países, e falava com outros médicos para tentar salvar a vida dela.”
Logo após a morte de Marpe, o artista escreveu um texto manifestando seu ceticismo em relação à medicina moderna. “Foi para tentar aplacar tudo o que eu sentia.” Ele conta que esse texto ainda não se transformaria na peça. “Precisei parar e iniciar um processo criativo, com a clara intenção de levar a história para o palco.” Esse percurso pode ser percebido na dramaturgia da peça, concretizada em um caderno que o ator folheia e lê alguns trechos durante a entrevista. “Teresa me espera na terça. Não vou estar lá”, a personagem Marta antevê o impacto de seu destino na própria rotina. “Ah, a festa da Mariana…”. As frases são recheadas de anotações e grifadas com diferentes cores, um modo de o ator indicar ações e a forma de falar no palco. Os relatos mesclam fatos da vida de Marpe com experiências recentes de Facó. Em uma delas, o ator criou trechos enquanto estava em um show de rock. “É a cena em que minha mãe entra em coma.” Para ele, esse estado vegetativo se transforma em um campo fértil e sem limites. “É a expansão da consciência, que permite o trânsito entre as lembranças e as sensações, além da intimidade da família.” No Rio, o pai e os irmãos de Facó marcaram presença durante toda a temporada. “Trato de coisas muito pessoais e tenho o apoio de todos eles”, diz o ator, referindo-se ao relacionamento aberto de seus pais. “Ela foi uma mulher muito moderna e independente.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.