Variedades

Soprano Natalie Dessay vem ao Brasil para fazer recitais

Ela conquistou tudo que um cantor de ópera pode desejar. De Viena a Nova York, era disputada pelos principais palcos do mundo – em muitas montagens que, gravadas, se transformaram em CDs e DVDs de referência. Ainda assim, há pouco mais de um ano, a soprano francesa Natalie Dessay, de 48 anos, resolveu parar.
Anunciou ao mundo a decisão de abandonar os palcos de ópera para se dedicar a recitais e, mais importante, ao teatro de prosa. “Eu simplesmente cansei.”

Dessay desembarca neste fim de semana no Brasil, ao lado do marido, o barítono Laurent Naouri. Juntos, e acompanhados pelo pianista Maciej Pikulslky, fazem dois recitais, segunda, 04, e terça, 05, na Sala São Paulo, pelo Mozarteum Brasileiro. O trio vai interpretar canções de Poulenc, Fauré, Duparc. “Montamos um programa em torno de duetos escritos por esses autores para barítono e soprano”, ela explica, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo. “Mas, quando falo em duetos, são canções escritas para duas vozes. Nada de ópera”, brinca, rindo.

O canto lírico surgiu por acaso na vida de Natalie Dessay. Estudava teatro até que, durante uma apresentação, alguém chamou a atenção para a qualidade de sua voz. Começou, então, a se dedicar ao canto. E, no início dos anos 1990, com uma gravação da Lakmé, de Delibes, surgiu para o mundo como uma das principais sopranos ligeiro de sua geração. Seguiram-se 20 anos de uma carreira de exceção, em papéis como Zerbinetta, Gilda, Alcina ou Ofelia. Nos últimos anos, incluiu na lista a Violetta da Traviata. Sua despedida, na França, foi com Manon e, nos EUA, com Os Contos de Hoffmann.

Nesta ópera, de Offenbach, ela interpretou o papel de Antonia – uma jovem cantora que, levada a cantar sem parar pelo malévolo Dr. Miracle, acaba morta. Não poderia ser um personagem mais significativo. “A carreira do cantor de ópera inclui a repetição incessante de alguns papéis. No meu caso, com o meu tipo de voz, essa lista era pequena e incluía basicamente jovens apaixonadas e sofredoras, praticamente adolescentes. O que eu poderia fazer? Estou com 48 anos e já não faz muito sentido interpretar essas moças.”

A reação à sua decisão foi difusa, ela conta. Nem todo mundo entendeu seus motivos. “No mundo da ópera, ainda que ninguém coloque as coisas dessa forma direta, todos esperam que você, uma vez que tenha encontrado uma fórmula de sucesso, siga fazendo a mesma coisa até não poder mais. E, para profissionais que pensam dessa forma, é natural que minha decisão soe estranha. Mas, o que esperavam de mim? Queriam me ver, aos 85 anos, interpretando jovens desesperançadas?”, diz, sem citar nomes.

Canções

Natalie conversa com a reportagem pelo telefone. Explica que está no carro, em uma estrada do interior da França, por onde passou antes da viagem ao Brasil. Ela se diverte com a curiosidade que sua decisão desperta nas pessoas. Diz estar feliz com a nova vida, que lhe permite, entre outras coisas, mais tempo com a família. “Não é preciso entender o que aconteceu como um fim, mas, antes, como um recomeço. Havia um desejo de me reinventar e esse me pareceu o momento mais adequado, ainda sou jovem, tenho energia de sobra e, ao mesmo tempo, uma experiência adquirida que me ajuda a dar novos passos”, diz.

Nessa nova vida, a música permanecerá, claro, ao seu lado. Ela tem se dedicado a recitais e concertos sinfônicos. Em São Paulo, vai interpretar canções de compositores franceses: Fauré, Duparc, Poulenc, Delibes e Widor. “O ponto de partida para o repertório foi a pesquisa que eu e meu marido fizemos de duetos escritos por esses autores. Achamos coisas interessantes e pouco executadas. E essas peças acabam sendo o eixo em torno do qual outras peças foram sendo acrescidas à lista”, ela explica.

As canções francesas, chamadas originalmente de melodies, derivam do lied alemão – e ambos os gêneros cabem sob o guarda-chuva a que se costuma dar o nome, em português, de canção de arte. Seja em qual língua for, o que importa nesse repertório é a conversa intimista entre texto e música – e as camadas de significado que dela consegue extrair o intérprete.

Mas seria possível identificar especificidades que tornam únicas as canções francesas? A pergunta é feita a Natalie, mas é uma voz masculina que responde ao fundo. É Laurent Naouri, que está ao volante. Para ele, a diferença está, acima de tudo, na poesia. E Natalie concorda. “É preciso observar a poesia e, consequentemente, a própria estrutura do idioma francês, seja em poemas de caráter p0pular, seja numa escrita mais clássica, como a de Baudelaire. E, claro, o modo como os compositores a interpretaram. A sensação que tenho é de que a canção não nasce simplesmente, ela é uma tentativa de compreender a estrutura do poema, a maneira como o texto é gerado.”

Novo começo

Natalie está lançando dois novos discos. Em Elle et Lui, gravou canções de Michel Legrand, com o próprio compositor ao piano; e, em Rio Paris, participa da homenagem da violonista Liat Cohen à música popular brasileira (os dois foram lançados em edição nacional pela Warner Classics).

Para a soprano, a música popular é um caminho possível, mas o foco, diz, é evitar rótulos. Entre seus planos, está o teatro de prosa. E, quem sabe, óperas contemporâneas, que lhe deem a chance de explorar sua voz de outra forma. “Tenho conversado sobre isso e talvez logo tenha um projeto a anunciar. Mas não importa o gênero: o fundamental é fazer coisas que me permitam refinar não apenas a musicalidade, mas também a atuação, o teatro.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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