É preciso mudar quando as coisas não vão bem. Não à toa, esta edição da São Paulo Fashion Week, de número 42, recebeu o nome de Trans. Nas palavras de Paulo Borges, o idealizador do evento, essa é a edição da transformação, da transgressão e da transição. Com surgimento do fast fashion, a invasão das grifes internacionais nos shoppings do País, as investidas furadas dos estilistas brasileiros em parcerias com grupos financeiros e o declínio da imagem glamourizada do evento, essa guinada radical nos rumos da SPFW era mesmo urgente.
E não é que veio a reação? Nas últimas temporadas, renovou-se o quadro de marcas. Gente boa, criativa, influente nas redes e que sabe fazer barulho chegou para movimentar a cena. A estilista mineira Patricia Bonaldi, que sofria um preconceito no meio por ser blogueira e vender vestidos bordados, foi galgando espaço, montou um grupo com quatro marcas e nesta edição fez um dos desfiles mais festejados. Lilly Sarti, dona da marca homônima de estilo folk, cultiva uma clientela fiel entre a elite paulistana e também se firmou no evento.
Em uma linha mais minimalista e urbana, a marca de Renato Ratier, homem da noite, dono da D-Egde, é outra que traz um charme novo à cena. Seu desfile na quinta-feira, inspirado em Grace Jones, foi bom e provocante, com peças que misturavam o estilo esportivo com a sensualidade do jeito de vestir de quem ferve nas pistas. Seus maiôs cavadões (a asa-delta e o fio-dental estão de volta), vestidos-camisola e blusões com capuz são desfilados com atitude underground e rendem imagens impertinentes, como a da modelo com o top com formato underboob, que deixa a parte de baixo dos seios à mostra.
Imagens que tocam um público mais amplo e não apenas fashionistas. Nesta edição, chegaram duas marcas que faltavam. Uma comandada pelo rapper Emicida, que tem tudo para ser o nosso com o Kanye West (que tem uma marca na New York Fashion Week), vendendo roupas com pegada street, mas com acabamento de primeira e design sofisticado. “A moda de rua é nóis”, diz ele. Seu desfile foi um show, com um casting quase todo negro, algumas pessoas gordas e a presença de Seu Jorge.
“Empoderamento é, de longe, a palavra do momento. Em um movimento de redescoberta social para além das fotos de gatinho no Facebook, todos guetos e minorias se aproveitam da repercussão das redes para tentar levar sua luta para além da bolha, atrás de respeito e igualdade – gordos, gays, negros, trans, feministas, a lista é plural e infinita”, analisa Eduardo Viveiros, editor do site Chic.
Nesse sentido, ninguém causou mais do que Ronaldo Fraga. Ele não se preocupou muito com a roupa e, sim, com o discurso, colocando travestis e transgêneros na passarela, em apoio aos transexuais. Ronaldo é um dos membros da velha-guarda que soube se manter relevante. Nos últimos anos, muitos ficaram pelo caminho. Marcas-chave da moda nacional deixaram o evento, entre elas Ellus, Forum e Colcci. Enquanto os que aguentaram firmes acabaram se superando. Caso de Gloria Coelho e Reinaldo Lourenço, que brilharam, mais uma vez, fazendo tudo certo: modelagem, estampa, acabamento…
Alexandre Herchcovitch também se reinventou na À La Garçonne, fazendo roupas que agora as pessoas querem comprar, ao lado de seu marido Fabio Souza, o diretor criativo. Tudo o que foi apresentado no MASP na segunda, 24, já está à venda, seguindo o novo direcionamento do mercado, que investe agora no modelo see now/buy Now.
Pintadas à mão, em edições limitadas, com moletons, camisetas, camisas e essas peças urbanas que todo mundo usa, a coleção investe no streetwear. Mesmo caso da Cotton Project, que desfilou na sexta-feira, aproximando a moda da vida real. Há uma rebeldia, uma atitude quase punk, meio desbocada, às vezes até politizada. Uma característica desse movimento, que segue a estética dos anos 1980, é o ato de raspar a cabeça. Nas passarelas, meninos e meninas surgiram quase carecas. A questão da igualdade gêneros é outra batalha atual endossada pela moda. Em tempos difíceis, o mercado parece cair na real.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.