Nem parecia que Luisa Stefani e Laura Pigossi tinham encerrado a temporada machucadas. Animadas e confiantes, as primeiras medalhistas olímpicas na história do tênis brasileiro ainda carregam em suas atividades dentro e fora de quadra o astral do bronze conquistado em Tóquio. A dupla define o momento como "paz interior" quase em uníssono ao ser questionada pelo <b>Estadão</b>.
"Paz interior é o que estou sentindo. Foi o que mais senti na gira de quadra rápida depois da Olimpíada. Era uma certa tranquilidade, energia boa. Estava feliz com o que tinha, com o que estava acontecendo", diz Luisa. "Estou aceitando muito mais as situações. Saí de Tóquio com essa paz interior. As coisas acontecem, temos que saber lidar da melhor maneira possível, encontrar as soluções. E foi o que fizemos na Olimpíada", afirma Laura.
As "soluções" encontradas pela dupla resultaram numa daquelas histórias que não acontecem toda hora, mesmo em contextos grandiosos, como o de uma Olimpíada. Inscritas quase sem saber, elas entraram de última hora na chave de duplas, após seguidas desistências. Luisa vinha se destacando no circuito nos últimos anos e tinha ranking para entrar, mas dependia de uma parceira em boa situação para competir. Mesmo especialista em simples, Pigossi preencheu os requisitos para jogar nas duplas.
Fora da lista das favoritas, elas foram derrubando rivais candidatas à medalha desde a estreia. Perderam na semifinal, mas não desanimaram. Na disputa do bronze, salvaram inacreditáveis quatro match points no super tie-break. E subiram ao pódio. Foi a medalha mais improvável das 21 conquistadas pela delegação brasileira em Tóquio.
O segredo? Uma boa dose de diálogo, muita compreensão e o Hino Nacional. "Quando a gente ganhou o segundo set, cantamos o Hino para entrar no tie-break e disputar a medalha. A gente esperava pelo retorno das adversárias, que foram ao banheiro. São três ou quatro minutos de espera. Se você começar a pensar, a cabeça pode ir para mil lugares. E o hino foi uma maneira de nos centrarmos e curtirmos o momento", recorda Luisa. "Foi algo automático. Olhamos uma para a outra e começamos: gigante pela própria natureeeza. Sorrimos e a coisa foi", diz Laura.
Esta harmonia e entrosamento foram construídos aos poucos em Tóquio. Afinal, as duas só haviam jogado juntas em apenas dois torneios antes, com duas vitórias e duas derrotas. "Uma das minhas imagens favoritas da Olimpíada foi a conversa que tivemos sentadas no gramado, diante dos aros olímpicos, na Vila Olímpica. Tivemos uma conversa muito franca e aberta de como íamos fazer dar certo", lembra Laura.
"Eu conto essa história e alguém pode perguntar: a melhor memória que você tem da Olimpíada foi uma conversa num gramado? Como assim? Só a gente consegue entender o quanto aquilo foi especial. Fez a diferença na vibe da semana e na nossa conquista", reforça Luisa.
Cinco meses depois da grande conquista, elas seguem entrosadas. "Foi um momento muito especial", afirma Luisa. "Só de contar essa história me arrepiei inteira agora", rebate Laura ao apontar para o braço esquerdo. Entre os pelos eriçados estava justamente a tatuagem do trecho do Hino Nacional. Em São Paulo, na véspera da entrevista ao <b>Estadão</b>, as duas tatuaram também os aros olímpicos.
O alto astral das tenistas contrasta com o momento físico de ambas. Laura se recupera de um edema ósseo detectado em uma das vértebras, nas costas. Mas inicia a pré-temporada em dezembro para voltar totalmente recuperada ao circuito em janeiro. A situação de Luisa é mais complexa. Após romper um dos ligamentos do joelho direito quando disputava a semifinal do US Open, seu melhor resultado num Grand Slam até agora, ela só deve voltar ao circuito em maio, na gira de saibro.
"Lidamos muito bem com todas as dificuldades do ano. E como não vou lidar bem com uma dorzinha nas costas?", diz Laura. "E eu, como não vou lidar bem com um rompimentozinho de joelho?", brinca Luisa. O tom bem humorado da dupla tem por trás os bons resultados obtidos em 2021, principalmente após o bronze em Tóquio.
Luisa emplacou três finais consecutivas em torneios de peso antes de se machucar, no US Open. E alcançou o 10º lugar no ranking de duplas, a melhor posição de uma brasileira desde a criação da lista da WTA, em 1975. Laura também atingiu sua melhor colocação, 191º em simples, na esteira de três títulos de nível ITF – e foram mais três em duplas.
"Profissionalmente a medalha me deu um grande embalo. Passar por aqueles match points foi um grande momento de aprendizado sobre mim mesmo. Me deu muita confiança e tranquilidade ter uma medalha olímpica e continuar levando a minha carreira, agora não como uma pressão, mas como um privilégio e uma honra", comenta Luisa.
Fora de quadra, o saldo olímpico foi o aumento da visibilidade. "Ontem mesmo, quando eu estava na academia, fui abordada por uma menina, que perguntou se eu era a Laura, da medalha na Olimpíada. Ela começou a chorar, disse que viu o jogo. Fiquei meio sem reação até", afirma Laura, ainda pouco acostumada a disputar os grandes torneios do circuito. "Profissionalmente, tive belos meses depois da medalha, estava super confiante, acreditava que poderia fazer qualquer coisa em quadra."
A grande fase será testada logo no começo deste ano, quando ela terá a oportunidade de disputar um Grand Slam pela primeira vez na carreira. Laura vai competir no qualifying do Aberto da Austrália, em Melbourne. "Já estou louca para começar 2022."