Aguardada por milhares de pessoas, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na semana passada, obrigando Estados e municípios a quitarem todas as dívidas com precatórios até 2020, foi vista com certo alívio, mas, para muitos credores, demorou a chegar.
Aos 95 anos, quase cega, com dificuldades de andar e às vésperas de fazer uma cirurgia para a retirada de um câncer de pele, a dona de casa Laura Martinez Lucas, de São Paulo, recebeu a notícia com desconfiança.
“Não creio que eu vá chegar até os 100 anos para receber essa dívida”, diz Laura. “Estou aguardando há mais de 20 anos e ainda deram mais cinco de espera.” Os precatórios são dívidas decorrentes de processos judiciais contra o Poder Público.
O marido dela, José Lucas, trabalhava na Prefeitura de São Paulo nos anos 90, quando o então prefeito Paulo Maluf suspendeu o reajuste salarial dos funcionários públicos. Ele e vários outros colegas moveram ações pedindo a correção.
José Lucas faleceu e Laura, como pensionista, assumiu a ação. Há dois anos, ela recebeu uma parte do montante, mas ainda restam cerca de R$ 300 mil a serem pagos. Ao longo dos anos, ela foi assediada por intermediários que queriam comprar seu precatório, por metade do valor, mas não cedeu.
Laura foi uma das fundadoras da Associação dos Aposentados e Pensionistas de São Paulo. Ela mora sozinha num apartamento alugado nos Jardins, tem duas funcionárias que se revezam em seus cuidados e ajuda a família. Já perdeu um filho e outro, de 70 anos, tem uma doença degenerativa “e está muito mal”, diz. “Gostaria de receber o dinheiro para ajudar com todas essas despesas.”
O ex-funcionário da Sabesp Armando Forzari Pera faleceu em 2007, aos 90 anos, sem receber o valor reivindicado do Estado de São Paulo como complementação salarial. Sua ação foi ajuizada em 1995 e, em 2001, a Justiça determinou o pagamento. O neto Alexandre Krause Pera herdou o caso. “Quando adolescente eu sempre ouvia meu avô dizer que provavelmente não viveria para receber o dinheiro”, conta ele, reforçando a descrença de muitas pessoas que têm crédito a receber.
Hoje com 34 anos e formado em Direito, Alexandre avalia que a decisão do STF pelo menos traz uma expectativa aos credores. “Antes, não tínhamos ideia de quando o pagamento poderia ocorrer.”
A fixação do prazo também permite um planejamento por parte das entidades devedoras, que não poderão mais postergar os pagamentos, afirma Marco Antonio Innocenti, presidente da Comissão de Precatórios do Conselho Federal da OAB.
O STF também estabeleceu que a correção das dívidas volte a ser calculada com base na inflação medida pelo IPCA-E. Desde 2009, a correção era pela Taxa Referencial (TR), “o que representou perdas em torno de 35%”, afirma Felippo Scolari Neto, do escritório Scolari, Garcia & Oliveira Filho Advogados.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) calcula em R$ 94,9 bilhões o total de precatórios no País até junho de 2014. O Estado e municípios de São Paulo correspondem a 49% do total.
Innocenti avalia que 80% das ações no Estado são alimentares (salários, pensões, aposentadorias) e o restante de não alimentares (como desapropriações). No município, o porcentual é o inverso, com 70% de ações não alimentares. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.