Em 2018, após um ano de debates e diversas interrupções no julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) bateu o martelo: estava na hora de restringir o alcance do foro privilegiado. Desde então, inquéritos e processos criminais envolvendo autoridades como deputados e senadores só precisam começar e terminar no STF se tiverem relação com o exercício do mandato.
Mesmo com a mudança, o escopo do foro privilegiado no Brasil é amplo em termos comparativos, sobretudo pela lista de autoridades que têm direito a ele – de políticos a embaixadores e magistrados de tribunais superiores. Países como Japão, Argentina e Estados Unidos não preveem um foro específico em função do cargo público, embora concedam imunidade ao presidente. Em outros, como na França, a prerrogativa se estende apenas ao chefe do Executivo e aos ministros de Estado.
O assunto, no entanto, não está encerrado. A partir desta sexta-feira, 29, quase seis anos após limitar o mecanismo, o STF reabre o debate, agora em nova composição. Os ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, que participaram do julgamento em 2018, deixaram a Corte no ínterim.
O Supremo Tribunal Federal volta a se debruçar sobre o tema a partir de um recurso encaminhado ao plenário pelo decano Gilmar Mendes. O ministro argumentou que é preciso "recalibrar os contornos" do foro privilegiado.
"No caso dos autos, a tese trazida a debate não apenas é relevante, como também pode reconfigurar o alcance de um instituto que é essencial para assegurar o livre exercício de cargos públicos e mandatos eletivos, garantindo autonomia aos seus titulares. É caso, portanto, de julgamento pelo Plenário, até mesmo para estabilizar a interpretação da Constituição sobre a matéria", escreveu Gilmar no último dia 13, ao pedir que o processo fosse incluído na pauta.
O <b>Estadão/Broadcast</b> apurou que os ministros foram consultados e acordaram que a discussão deveria ser retomada. A expectativa é detalhar melhor a tese a partir de controvérsias que se apresentaram ao últimos seis anos, sem retornar ao modelo anterior, que foi reformado justamente para baixar o volume de ações criminais após o Mensalão.
O julgamento está previsto no plenário virtual. Nesse modalidade, a votação é assíncrona. Os votos são registrados na plataforma online ao longo de uma semana, sem debate presencial ou por videoconferência. Qualquer ministro pode pedir destaque, o que automaticamente transfere o julgamento para o plenário físico.
A discussão ganhou tração em meio à transferência das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes ao STF. O deputado Chiquinho Brazão, apontado pela Polícia Federal como mandante do crime, era vereador na época. O ministro Alexandre de Moraes, no entanto, argumentou que houve tentativas de obstrução do inquérito quando ele já tinha assento na Câmara dos Deputados, o que em sua avaliação justifica o deslocamento do caso ao Supremo.
O pano de fundo do julgamento é um habeas corpus do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA). Ele é réu em uma ação penal na Justiça Federal do Distrito Federal por suspeita operar um esquema de "rachadinha" quando foi deputado. A defesa nega as acusações e alega que o processo deveria tramitar no Supremo, porque desde então ele exerce cargos com prerrogativa de foro.
Uma das zonas cinzentas envolvendo o alcance do foro é justamente o cenário dos "mandatos cruzados" – quando um deputado (estadual ou federal) ou senador troca de Casa Legislativa. Em 2021, a Segunda Turma manteve o foro do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das "rachadinhas" na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o que levou ao arquivamento da denúncia.