Nem a moda de luxo escapou. Aliás, foi ela que alavancou a onda, que não é inédita, mas ganha novo impulso no País neste fim de década: a moda de rua – ou streetwear para os iniciados -, investindo num guarda-roupa menos formal e mais confortável, com influências da moda esportiva e de um estilo ligado ao skate, ao surfe e ao hip-hop.
É um mercado em franca expansão, que vem apoiado pelo boom dos tênis (os sneakers) como itens de desejo e hit de vendas de marcas como Balenciaga, Gucci, Prada e Zegna, pela contratação do DJ e designer Virgil Abloh como diretor artístico do masculino da Louis Vuitton, e pelas criações de luxo com aparência ordinária do designer Demna Gvasalia para a Balenciaga e a Vetements (como uma camiseta inspirada no uniforme da DHL e uma bolsa giga, estilo sacoleira da 25 de Março, vendidas por centenas ou milhares de euros).
“É um olhar mais democrático, que inclui os mais jovens e até quem tem a carteira menos recheada. Foi um propulsor de novas marcas e uma mina de ouro para as mais tradicionais. Esse movimento fez virar moda o que era apenas uma expressão de lifestyle”, afirma o editor de moda Sylvain Justum.
Os números apontam a ocorrência do fenômeno também no Brasil. Segundo dados da consultoria Iemi Inteligência de Mercado, o vestuário casual, categoria em que se inclui o streetwear, cresceu 10,3% de 2016 para 2017, uma taxa acima da média do varejo de vestuário em geral (de 8,1%), alcançando 2,8 bilhões de peças vendidas e um faturamento de R$ 116,5 bilhões.
“O guarda-roupa do brasileiro se torna cada vez mais informal. O verão estimula o uso desse tipo de roupa em detrimento de artigos mais formais. O que se observa em termos de tendência é que as roupas dessa linha vem ganhando maior relevância na preferência dos consumidores brasileiros”, explica Marcelo Prado, diretor da consultoria.
Estão entre os representantes de uma ala mais fashion desse segmento “street” pequenos fenômenos, como as jovens grifes À La Garçonne (lançada em 2016) e ALG (2018), Piet (2011), Cacete Company (2015), Surreal (2015), Bolovo (2007), Dabliu Costa (2013), e Pace (2017), que vêm conquistando espaço em veículos de mídia, guarda-roupas e pontos de venda prestigiados.
Em comum elas têm estruturas pequenas, distribuição limitada – muitas delas comercializam suas peças apenas online e em lojas próprias -, bons índices de engajamento nas redes sociais e criações que nem sempre se destacam pela originalidade, mas que oferecem alguma exclusividade e um hype/ coolness, que muitas marcas perseguem e poucas alcançam.
Entre as tops de linha desse nicho está a À La Garçonne, do empresário e diretor criativo Fábio Souza. Desenhada por Alexandre Herchcovitch, ela oferece um tipo de streetwear de luxo, com peças de tiragem pequena, como tênis pintados à mão e moletons que têm preços próximos de quatro dígitos, entre vestidos de renda e peças de alfaiataria de construção elaborada.
No fim do ano passado, a dupla lançou uma segunda linha. Batizada de ALG, ela é ainda mais focada no streetwear, menos exclusiva que a marca mãe e mais inclusiva, principalmente nos preços. “A ideia é que ela consiga abraçar todo mundo. Vamos distanciar bem uma marca da outra”, conta Fábio.
As possibilidades de estilo são diversas dentro do mesmo segmento. Numa linha utilitária minimal, a Piet é outro destaque desse universo. Completando sete anos de vida, estabeleceu uma série de parcerias badaladas com marcas globais, como Converse, Nike e Champion, e lançou uma coleção de acessórios e artigos de papelaria. “Essas colaborações criam um ecossistema, ajudam a consolidar o lifestyle da marca”, explica seu fundador, o designer Pedro Andrade para quem o streetwear no Brasil ainda caminha a passos lentos.
“Vejo que hoje temos marcas com um olhar mais fresh, global, que buscam uma coisa não tão regional. É um caminho que pode ser bonito, de achar a dose certa entre a cultura brasileira e o streetwear global”, avalia ele, que realiza vendas online para clientes dos EUA, da Ásia e Europa.
Mais recentemente, a Piet assinou a criação de uma coleção do músico Marcelo D2 para a C&A e realizou, na São Paulo Fashion Week (SPFW) em outubro, seu primeiro desfile. “Foi um marco”, afirma Pedro. “Ajudou a posicionar e elevar o nível da marca.”
Foi um efeito semelhante ao sentido por outra grife emergente, a Cacete Company, surgida em 2015 em Belo Horizonte, como uma marca de underwear focada no público gay, e hoje destaque entre os novos integrantes da temporada. “A SPFW proporcionou um crescimento e uma visibilidade grandes num período muito pequeno. Estamos conseguindo atingir um público maior, está sendo um grande aprendizado”, conta Raphael Ribeiro, um dos fundadores da Cacete. “Vejo muitas marcas de streetwear heteronormativas, com essa pegada do sneaker, mas não é só isso. Ele pode ser superurbano, moderno e gay, o que no caso é o diferencial da Cacete”, finaliza, revelando uma outra missão comum nesse universo: representar e expressar as diversas vozes das ruas. A cara dos dias de hoje.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.