O presidente da França, Emmanuel Macron, desembarca no Brasil nesta terça-feira, dia 26, para a mais robusta agenda de um chefe de Estado estrangeiro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eles terão três dias de compromissos conjuntos no País, em Belém (PA), Itaguaí (RJ) e Brasília (DF) – o francês ainda viajará a São Paulo (SP).
A visita de Estado de Macron ao Brasil foi dividida em quatro frentes temáticas e tem uma diversidade de interesses em pauta. Os países negociam cerca de 30 acordos de cooperação em diferentes áreas, e devem assinar ao menos 15 deles, segundo o Itamaraty.
Será a primeira viagem bilateral de Macron a um país latino-americano (ele esteve em 2017 na Guiana Francesa, um departamento ultramarino, e em 2018 em Buenos Aires, para a Cúpula do G20 presidida pela Argentina). Os franceses querem usar o Brasil como plataforma para inserção na América Latina. Os dois países vão relançar a parceria estratégica.
O último presidente francês a pisar no Brasil foi François Hollande, em 2016, por ocasião das Olimpíadas no Rio de Janeiro. Diplomatas franceses dizem que a visita é "muito aguardada e simbólica", além de ter uma extensão incomum.
Ela ocorre depois de uma paralisia nas relações de alto nível, sobretudo entre os presidentes, durante os governos Macron e Jair Bolsonaro – o ex-presidente brasileiro chegou a ofender a primeira-dama Brigitte Macron, causando uma crise diplomática. Ela não acompanhará o marido e só virá ao País em novembro, quando Macron volta para a Cúpula do G20.
O francês procurou cultivar boas relações com Lula. Ambos gostam de destacar afinidades políticas e uma disposição para ser "ponte" de diálogo entre países do Sul Global e "Norte", formado pelos mais desenvolvidos. Macron foi um dos primeiros líderes estrangeiros a receber o petista depois de ele ter sido libertado da cadeia, na Operação Lava Jato, em gesto para reabilitar Lula.
<b>Meio Ambiente e clima – 26/3 – Belém (PA)</b>
Agenda prioritária entre Brasil e França, o meio ambiente terá um dia de atividades em Belém, capital do Pará. A França indicou que fará anúncio de contribuições a projetos no Brasil, com foco na bioeconomia e na preservação e conservação de florestas. No entanto, uma das expectativas do governo Lula, a doação de recursos ao Fundo Amazônia, será frustrada e não sairá do papel, segundo diplomatas dos dois países.
A França estudava uma doação ao Fundo Amazônia, mas não explicou claramente por que não quer aderir. Integrantes do governo brasileiro disseram que o motivo é financeiro. A França indicou nos bastidores ter uma disponibilidade de recursos da ordem de 1 milhão de euros (R$ 5,4 milhões) agora, quantia muito aquém do que qualquer outra contribuição já recebida pelo Fundo Amazônia. São R$ 3,5 bilhões em caixa.
Para evitar que a França figurasse como a menor doadora do fundo, o governo Macron indicou que prefere apoiar um projeto em específico, disseram diplomatas a par das negociações. Brasil e França vão reativar, por exemplo, a colaboração do Centro de Biodiversidade Amazônica, uma parceria entre cientistas que não possui sede física.
Os dois governos já acertaram e será anunciado um acordo que permitirá financiamentos de R$ 100 milhões da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), com o Banco da Amazônia e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Os franceses vão também condecorar com a principal distinção do país, a Legião de Honra, o cacique Raoni Metuktire, do povo caiapó. A ordem foi criada pelo Napoleão Bonaparte, em 1802. Macron vai se encontrar com outros líderes indígenas dos Ianomami e povos do Xingu. A conversa terá a presença da ministra Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e da presidente da Funai, Joenia Wapichana. Haverá 19 autoridades indígenas ao todo no encontro.
Lula e Macron visitarão a Ilha do Combú, onde pretendem conhecer a produção de chocolates orgânicos e o cultivo de Cacau. Na volta da travessia de barco, Macron deve experimentar um "lanche amazônico", mas não vai comer peixes de rio – pois tem restrições alimentares, segundo o Itamaraty informou, citando o cerimonial do Palácio do Eliseu e do Quai dOrsay, sede da diplomacia francesa em Paris.
Macron já afirmou que vai destinar 500 milhões de euros (R$ 2,7 bi) à preservação florestal no Brasil. Ele fez a promessa em novembro do ano passado, durante a cúpula climática das Nações Unidas (COP-28), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Agora, o francês vai dizer também que voltará a Belém (PA) para a COP30, em 2025. Segundo os franceses, Macron quer mandar uma mensagem global ao lado de Lula e ampliar a ambição e os compromissos climáticos dos países.
<b>Submarinos e tecnologia nuclear – 27/3 – Itaguaí (RJ)</b>
Desde o ano passado, os dois governos discutem aumentar o escopo da cooperação em Defesa, que permitiu o lançamento do programa PROSUB pela Marinha do Brasil. O Brasil quer ajustes na parceria para ampliar o acesso ao conhecimento da indústria francesa de fabricação de submarino nuclear. O acordo assinado em 2008 prevê a construção de quatro submarinos convencionais e um movido a energia nuclear. O projeto tem custo atual estimado em R$ 40 bilhões.
O principal objetivo do programa é capacitar a Marinha a construir e operar por completo submarinos movidos a energia nuclear, que têm maior autonomia e velocidade, o que significa que podem passar mais tempo submersos e furtivos. Essa fase envolve ainda certificações e acompanhamento da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) e não é bem-vista por outras potências nucleares que detém a mesma capacidade.
O submarino Álvaro Alberto (SCPN) será o primeiro do Brasil com propulsão nuclear, embora carregue armamentos convencionais – e não armas nucleares. Após uma série de atrasos, ele está previsto para ser entregue à operação somente em 2037 – sendo lançado ao mar seis anos antes, em 2031, para iniciar uma série de testes.
Segundo a embaixadora Maria Luisa Escorel de Moraes, secretária de Europa e América do Norte no Itamaraty, os franceses estão agora mais dispostos a colaborar com os conhecimentos que o Brasil demanda, para instalação do reator nuclear no casco do submarino e seu compartimento. Inicialmente, o acordo inicial garante que a parte francesa dê "apoio a longo prazo para a concepção e construção da parte não-nuclear" do submarino Álvaro Alberto.
"Talvez houvesse uma resistência no passado, mas hoje já há conversas sobre essa possibilidade de que a França coopere conosco inclusive nesse aspecto do uso da energia nuclear e do combustível nuclear. É um assunto estratégico, sensível e delicado, mas os dois países estão conversando sobre isso também", disse a embaixadora Escorel.
Durante a visita de Lula a Paris, em junho do ano passado, o comandante da Marinha, almirante Marcos Olsen, afirmou que era necessário ver até que ponto os franceses estavam dispostos a ceder para auxiliar no desenvolvimento do submarino nuclear e assegurar menos riscos. Ele reconheceu os atrasos no cronograma, admitiu que havia dificuldades por parte da França e a "angústia" do lado brasileiro para obtenção do submarino nuclear. Ele conversou em nível político e com o Naval Group, o estaleiro francês responsável pela construção e fornecimento de equipamentos.
"O submarino de propulsão nuclear é um projeto de desenvolvimento, envolve riscos altíssimos e precisamos reduzir esses riscos. Há ações que precisam de autorização no nível político, que assegurem menor custo e menor prazo das obras de obtenção do submarino nuclear", disse o almirante, na ocasião. "Há uma angústia de todos nós pela demora na obtenção do submarino. O que é mais do que natural."
Segundo o comandante, havia disposição dos industriais dos dois lados e era necessário decisão política dos Estados para estabelecer os limites – até onde cada lado poderia ir – na transferência de conhecimento, por se tratar de tecnologia sensível. E estabelecer a contrapartida brasileira. Ele alertou que não se trata de transferir tecnologia nuclear em si, pois o Brasil já possui conhecimento e domínio no enriquecimento de urânio, na concepção e fabricação de reatores nucleares de pequeno porte.
"A França levou 18 anos no desenvolvimento de seu primeiro submarino nuclear. Nosso projeto ficou pronto em 2017, temos seis anos de amadurecimento. Pretendemos errar menos, para ter um custo menor", disse Olsen, que admitiu a existência de dificuldades no acesso ao conhecimento de equipamentos nucleares.
Macron e Lula assistirão à cerimônia de lançamento ao mar – o batismo – do submarino Tonelero (S-42), o terceiro a ser produzido e que passará por uma série de testes antes de entrar em operação. A primeira-dama Janja da Silva será a "madrinha" do submarino. Dois já foram entregues: o Riachuelo (S-40) e o Humaitá (S-41). O quarto será o Angostura (S-43), com previsão para o ano que vem.
<b>Negócios e cultura – 27/3 – São Paulo (SP)</b>
O presidente francês preparou uma comitiva com ministros e cerca de 140 representantes de empresas francesas. As pequenas e médias empresas compõem ao menos 2/3 da delegação francesa, conforme o Palácio de Eliseu. O foco de Macron é levar mais investidores brasileiros para a França.
Para isso, os dois governos promovem em São Paulo o Fórum Econômico Brasil-França. Macron também vai ter uma conversa reservada com potenciais investidores brasileiros. Estarão com Macron dois membros do governo: Stéphane Sejourné, ministro da Europa e dos Assuntos Exteriores, e Chrysoula Zacharopoulou, secretária de Estado para o Desenvolvimento e Parcerias.
Diplomatas franceses se queixam do baixo nível de investimento originário do Brasil e do desequilíbrio no fluxo de investimentos diretos por controlador final. Segundo dados da embaixada, os investimentos franceses no Brasil seriam da ordem de 40 milhões de euros, enquanto os recursos brasileiros aplicados na França seriam cerca de 2 milhões de euros. Um integrante do Ministério das Relações Exteriores da França afirma que o governo Macron busca "investimentos produtivos" e que comprar "vinhos e imóveis não geram sinergia nem emprego industrial".
Lula optou por não comparecer à perna paulista do tour de Macron, mas enviará o vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. A decisão foi compreendida no governo como uma forma de Lula dar protagonismo à atuação diplomática de Alckmin em seu Estado.
Macron vai ainda inaugurar o Instituto Pasteur, encontrar o ex-jogador Raí e jovens da Fundação Gol de Letra e visitar a comunidade francesa. Ele pretende jantar com personalidades da cultura e do esporte, entre eles o cantor Chico Buarque. Macron também deseja caminhar pela Avenida Paulista, pois gosta de exercícios físicos.
<b>Acordo Mercosul-UE e guerras – 28/3 – Brasília (DF)</b>
Em Brasília, os dois presidentes vão discutir questões políticas internas e geopolíticas, além do acordo entre Mercosul e União Europeia. O Itamaraty reconhece que houve uma "pausa" na evolução das negociações, por objeção política de Macron e por causa do calendário de eleições para o Parlamento Europeu, previstas para junho. "Os técnicos continuam se falando, mas na prática houve uma pausa para aguardar essa eleição", disse a embaixadora Escorel.
O Palácio de Eliseu preferia que o assunto não entrasse na pauta da viagem, mas autoridades diplomáticas francesas reconhecem que será impossível contorná-lo por completo. Macron, no entanto, vai reiterar a Lula sua contrariedade e dizer claramente que "não está pronto" para assinar o acordo. Um diplomata francês argumenta que produtores rurais e industriais na França "estão submetidos há anos a normas adicionais para combater o aquecimento climático e proteger o meio ambiente e que isso tem um custo para a competitividade deles". Por essa razão, esses produtores exigem que todos os produtos concorrentes sejam submetidos às mesmas normas.
A Presidência da França disse que Macron tem interesse em discutir com Lula sobre as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza. A despeito das divergências entre eles sobre os dois temas, Macron quer o apoio político de Lula para tentar sensibilizar o presidente russo, Vladimir Putin, a parar a guerra no Leste Europeu.
Um diplomata francês disse que a prioridade é "chamar a Rússia à razão para que pare a agressão" e que no momento não existem condições de discutir os termos de uma negociação de paz que envolva, como Lula já sugeriu, a cessão de parte do território tomado pelos russos. A decisão, enfatizou esse diplomata, deve ser dos ucranianos. Os franceses também acham que não devem conseguir a liberação de Lula para exportação de armas, munição e equipamentos de defesa a Kiev.
As declarações de Lula a respeito da guerra na Ucrânia, equiparando as responsabilidades de Kiev e Moscou, geraram insatisfação na França e na Europa como um todo, assim como o governo francês deixou claro que não concorda com as comparações entre a ação militar de Israel na Faixa de Gaza e o holocausto.
Eles também vão discutir cooperação sobre regulação da internet e assinar um memorando conjunto sobre integridade do ambiente digital, além de trocar experiências sobre combate a notícias falsas e sobre o crescimento da extrema-direita. Eles vão ainda discutir as crises no Haiti e na Venezuela. O Itamaraty diz que o Brasil segue apoiando eleições livres e acredita num "final feliz" na Venezuela. O governo brasileiro evita criticar o ditador Nicolás Maduro, apesar do recrudescimento contra a oposição, que vai contra os acordos assinados por ele.
Macron será recebido pelo presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mas não visitará o Supremo Tribunal Federal, por causa do feriado de Páscoa.