O primeiro evento-teste para os Jogos Olímpicos de 2016, que serão disputados no Rio de Janeiro, começa no próximo final de semana com uma perspectiva um tanto quanto turva, assim como estão as águas da Baía de Guanabara. Enquanto o Comitê Rio assegura que os 320 velejadores de 34 países encontrarão condições adequadas para a disputa por medalhas, Mário Moscatelli, biólogo que há mais de duas décadas luta contra a degradação da baía alerta: “Nós vamos passar muita vergonha”.
Moscatelli é um dos mais respeitados estudiosos da Baía de Guanabara. Na última sexta-feira, em meio a um forte odor de gases sulfídrico e metano que emanava nas margens do Canal do Cunha, na Ilha do Governador, ele avaliou a condição das águas que esperam os velejadores que estarão no local para a disputa olímpica. “Dos 55 rios que deságuam na baía, 50 são valões (como são conhecidos, em alguns locais do País, os rios que, com o tempo, se transformam mais em esgotos a céu aberto)”, destacou. O Canal do Cunha é um deles.
O Aquece Rio International, primeiro dos dois eventos-teste de vela, será disputado na Marina da Glória, a mais de uma dezena de quilômetros, mas o local escolhido pelo ambientalista para conversar com a reportagem, na zona norte do Rio, foi representativo. “Isso é o microcosmo não apenas da baía, mas do Brasil”, disse, apontando para o lixo que se acumula aos montes nas margens. “Hoje a enseada de Botafogo (que fica ao lado da Marina) é esgoto puro”, afirmou.
O presidente do Comitê Rio, Carlos Arthur Nuzman, foi questionado sobre o tema em evento realizado na cidade, na última quarta, do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), o qual também preside. Ele disse que não se posicionaria sobre o assunto, mas defendeu o evento-teste brasileiro atacando os Jogos Olímpicos de 2008. “Os velejadores já disseram que não há nenhum inconveniente (no Rio), que Pequim foi o pior lugar em que estiveram”, disse.
Não é o que já afirmaram alguns atletas de ponta da vela brasileira. Robert Scheidt, vencedor de cinco medalhas olímpicas, já criticou publicamente as águas da baía – mas agora prefere não falar mais do assunto, a fim de se concentrar para a disputa da competição. Martine Grael e Patrícia Freitas, outras representantes do Brasil no Aquece Rio, pensam como Scheidt. A declaração de Nuzman foi rebatida por Moscatelli. “A gente vai se nivelar por baixo? Então a história do legado é só engodo?”, questionou o biólogo.
O Comitê Rio garantiu “condições adequadas” para todos os velejadores que estiverem classificados para a disputa por medalhas na cidade. “A competição não vai expor nenhum atleta a risco de saúde”, afirmou Mario Andrada, diretor de comunicação da entidade. Mas o ambientalista não concorda com Andrada: “Se eu fosse um atleta ou pai de atleta, não entraria na água sem estar vacinado contra a hepatite A, por exemplo”, alertou Moscatelli.
AVALIAÇÃO – Ainda segundo os organizadores, o objetivo principal do Aquece Rio é avaliar os locais de prova para a Olimpíada. “Nas áreas onde estão as raias a água está em condições adequadas para banho e competição”, ponderou o Comitê. Segundo a entidade, três ecoboats – embarcações adaptadas para recolher lixo nas águas – já estão em ação no local e o número saltará para 24 nesta segunda.
Para Moscatelli, porém, a solução é meramente paliativa e não resolve o problema nem mesmo para o evento-teste. “As autoridades não explicaram como é que os atletas vão sair da Marina da Glória e chegar à raia passando por aquele mar de esgoto. Vão ser lançados de helicóptero? Porta-Aviões?”, ironizou. “Aí me disseram que vão colocar ecobarreiras. Para quê? É cocô de dinossauro?”, prosseguiu, destacando a fragilidade da contenção desse tipo de barreira e sua ineficácia.
No que diz respeito exclusivamente às condições para velejar, o biólogo vislumbrou sucesso se as condições climáticas forem totalmente favoráveis, com maré alta e vento empurrando “toda a porcaria” para dentro da baía, além da falta da chuva. “Mas isso não quer dizer que algum sofá não venha torpedear alguma embarcação durante as disputas”.
As ironias cessaram quando o pesquisador avaliou o que acontecerá com a baía após os eventos. “Essa preocupação é exclusivamente por causa dos Jogos Olímpicos de 2016. Eu não tenho a menor dúvida de que no dia seguinte ao fim da Olimpíada a Baía de Guanabara vai ser esquecida novamente”, afirmou com contundência.
O Comitê Rio informou que os 24 ecoboats vão operar até 9 de agosto, último dia do Aquece Rio.