O Supremo Tribunal Federal (STF) tem maioria para condenar o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) por crimes contra a segurança nacional, a honra do Poder Judiciário e a ordem política e social do País, após incitar agressões aos ministros da Corte em um vídeo divulgado nas redes sociais em fevereiro do ano passado. A decisão tira o parlamentar da disputa eleitoral deste ano e inviabiliza plano de candidatura a senador pelo Estado do Rio de Janeiro.
No vídeo que motivou a ação penal, Silveira disse que se imaginava agredindo fisicamente os ministros e os desafiou a prender o general de Exército Eduardo Villas Boas por declarações críticas ao julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo tribunal. O deputado ainda fez referência à cassação de juízes do Supremo pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5) durante a ditadura militar, o que chegou a ser considerado.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) considerou que as falas do deputado estimulavam "a animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo". Segundo a PGR, ele tinha como objetivo "impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício do Poder Judiciário". A instituição ainda argumentou que a imunidade parlamentar de Silveira não garante o direito de cometer infrações penais.
O julgamento vem sendo marcado por recados contundentes a Silveira e aos demais parlamentares que integram a tropa de choque do governo no Congresso. Um dos alvos preferenciais da militância bolsonarista no Supremo, o ministro Alexandre de Moraes apresentou um duro voto pela condenação do deputado a 8 anos e 9 meses de prisão, além de multa no valor de R$ 192,5 mil.
Responsável por colocar o parlamentar na prisão por nove meses no ano passado, Moraes também pediu que o STF determine a perda de mandato do deputado e a suspensão de seus direitos políticos, ficando impedido de disputar nova eleição. Segundo o ministro, Silveira não pode usar a imunidade parlamentar como escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas. Ele foi seguido integralmente por Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli.
"A liberdade de expressão existe para a manifestação de opiniões contrárias, para opiniões jocosas, para sátiras, para opiniões inclusive errôneas, mas não para imputações criminosas, para discurso de ódio, para atentados contra o estado de direito e a democracia", defendeu o ministro. "Não há dúvidas de que o réu agiu com dolo, em plena consciência de suas ações", disse Moraes ao citar que Silveira confirmou as declarações em depoimento à Polícia Federal (PF).
Na contramão das expectativas no Supremo, os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça decidiram não suspender o julgamento da ação penal contra o deputado. Como mostrou o <b>Estadão</b>, os demais ministros cogitaram a possibilidade de um dos magistrados apresentar um pedido de suspensão do julgamento. Os dois foram indicados à Corte pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e já haviam votado contra a obrigatoriedade de Silveira usar tornozeleira eletrônica. O fato de Nunes Marques ser o revisor da ação – ou seja, o responsável por liberar o caso para votação – fez com que as dúvidas sobre a paralisação do caso Mendonça recaíssem sobre Mendonca. Os outros magistrados especularam antecipar seus votos caso isso acontecesse, o que não foi necessário.
Ao votar, Nunes Marques chegou a condenar as declarações do parlamentar, mas as reduziu a bravatas e transferiu à Câmara a responsabilidade por punir os ataques ao livre exercício dos Poderes. "Em que pese a gravidade e a repugnância das falas do acusado, não vislumbro cometimento de crime", disse.
"Extrapolou e muito (Daniel Silveira), há toda evidência. Com a devida vênia, atingiu a própria Câmara Federal, na medida em que não se tem notícia que essa tenha tomado qualquer providência para apurar seus manifestos excessos e sua reprovável conduta (..) que tolerada por seus pares mancha aquela casa", disse. "Consigo aqui minha perplexidade, com todo respeito que tenho ao nosso parlamento, com essa justificável omissão", completou.
Já André Mendonça, votou pela condenação de Silveira quanto ao crime de proferir ameaças aos ministros. O ministro, porém, divergiu de Moraes ao absolver o deputado das acusações de incitar a animosidade entre as Forças Armadas e o STF e de usar de violência ou grave ameaça para tentar impedir o livre exercício dos Poderes.
<b>Imunidade parlamentar</b>
Ao apresentar o parecer do Ministério Público Federal (MPF), a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, frisou que imunidade parlamentar não consiste em um "privilégio pessoal". Braço direito do procurador-geral Augusto Aras, a número dois da PGR foi firme ao sustentar que as declarações de Daniel Silveira "atingiram a Justiça como instituição" e tentaram "intimidar e constranger os ministros" do Supremo.
"O que busca o Ministério Público, no exercício de sua atribuição constitucional de defender a ordem jurídica e o regime democrático, é que este Tribunal Supremo se valha dos instrumentos democraticamente estabelecidos para reprovar os crimes efetivamente praticados pelo acusado", afirmou.
Na noite de ontem, Alexandre de Moraes negou seis recursos da defesa de Silveira contra diversas medidas cautelares acumuladas pelo parlamentar e determinou cinco multas de R$ 2 mil ao advogado do parlamentar, Paulo César Rodrigues de Faria, pela apresentação de pedidos judiciais "manifestamente inadmissíveis, improcedentes, ou meramente protelatórios. Segundo o relator, as demandas tinham o objetivo de postergar o julgamento da ação penal.
Ao apresentar as alegações finais no caso, a defesa de Silveira alegou nulidades processuais, ou seja, erros procedimentais que esvaziaram a ação. O advogado do parlamentar citou o fato de não ter sido oferecido acordo de não persecução penal pelos crimes de incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo e contra a integridade nacional, uma vez que a Lei de Segurança Nacional foi extinta.
Já durante o julgamento, o advogado disse que o deputado é alvo de um sistema inquisitório. "Querem condenar a todo custo um inocente", disparou. A defesa ainda criticou o fato de os ministros do Supremo, vítimas dos ataques do parlamentar, serem também os responsáveis por julgá-lo. "É preciso ficar muito claro que para uma pessoa ser condenada não pode ter subjetividade, porque a subjetividade incorre na suspeição, na imparcialidade", afirmou.
<b>Temperatura</b>
Antes do início da votação, o réu e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foram impedidos de acessar o plenário do Supremo. Eles foram barrados por uma resolução assinada em fevereiro pelo ministro-presidente, Luiz Fux, que proibiu a presença de qualquer pessoa que não seja membro do colegiado, representante das partes no processo ou integrante do MP. O ato normativo da presidência foi editado em resposta ao aumento dos casos de covid-19 no Distrito Federal.
"Se puder levar minha reclamação lá dentro", disse Eduardo Bolsonaro ao servidor do STF que explicou os motivos de não poderem entrar. Silveira, que estava ao lado, repetiu a mesma frase. O Supremo chegou a oferecer aos deputados a possibilidade de acompanharem o julgamento de uma televisão no Salão Branco da Corte, a antessala do plenário, mas ambos se recusaram. Os parlamentares decidiram voltar à Câmara.
Mais cedo, Silveira fez novos ataques ao ministro Alexandre de Moraes. Na Câmara, o deputado chamou o relator da ação penal de "reizinho do Brasil" e "menininho frustrado" que age fora da Constituição. As críticas também foram destinadas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), por, segundo ele, ter cometido um "equívoco grave" ao deixar de pautar para votação no plenário da Casa a sustação da ação penal contra ele.
Dentro do Supremo, o advogado de Daniel Silveira atrasou em uma hora o início do julgamento por ter se recusado a apresentar teste negativo para covid-10. Fux ofereceu a possibilidade de a defesa realizar a sustentação oral por videoconferência, o que também foi descartado. Para dar início à votação foi necessário que o advogado realizasse um teste rápido. O presidente do Supremo chamou a postura dos defensores de "recalcitrância indevida".
<b>Histórico de violações</b>
Silveira chegou a ser preso no ano passado, logo após divulgar o vídeo com as ofensas aos ministros do Supremo. A detenção no Batalhão Especial Prisional (BEP) do Rio, a mando de Alexandre de Moraes, com base em pedido da PGR, durou quase nove meses. O relator do caso determinou a soltura com a condição de que o parlamentar cumprisse medidas cautelares.
No início desse ano, a PGR voltou a cobrar medidas mais duras contra o deputado, que teria descumprido diversas determinações da Justiça. A cúpula do Ministério Público pediu ao Supremo no mês passado a colocação de tornozeleira eletrônica em Silveira e cobrou que ele fosse impedido de frequentar eventos públicos. As solicitações foram atendidas por Moraes, gerando um impasse entre o ministro e o parlamentar.
Silveira se recusou a colocar a tornozeleira eletrônica e chegou a dormir em seu gabinete na Câmara em uma estratégia fracassada para evitar que os agentes da Polícia Federal (PF) fizessem a instalação. O parlamentar bolsonarista se queixou da decisão de Moraes, a quem chamou de petulante, e cobrou que a ordem fosse revista pelos demais ministros do Supremo.
O movimento do deputado chegou a envolver o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que emitiu uma nota com recados ao Supremo, na qual dizia que o plenário do Parlamento é inviolável. Apesar de ter causado ruídos entre os Poderes e piorado a sua situação, o bolsonarista acabou cedendo ao colocar o dispositivo. Moraes disse que a jogada de Silveira demonstrou sua "duvidosa inteligência". A decisão para que o parlamentar colocasse a tornozeleira acabou referendada por 9 votos a 2 no plenário.