Mundo das Palavras

Surpreendente Walmor

Um afeto particular por Walmor Chagas foi cultivado num grande grupo de brasileiros entre aqueles que, dotados de sensibilidade, puderam apreciar a criação dos nossos artistas nos anos de 2000. Anos tão distintos na História Recente do Brasil, divididos entre a euforia do governo JK e o tormento da Ditadura pós-1964. Para eles Walmor foi um grande artista. Renovador, se manteve sempre inquieto e insatisfeito. Embora tenha ajudado a criar o que houve, então, de mais refinado na sua arte.


Walmor foi ator destacado em encenações de textos de Ibsen, Pirandello, Bernard Shaw, Tennessee Williams, Ionesco, Eugene O´Neill. Recebeu a orientação de diretores mitológicos como Adolfo Celi, Ziembinski, Maurice Vaneau, Gianni Ratto, Flávio Rangel e Ruggero Jacobbi. E teve como companheiros de palco os mais importantes atores de sua geração, entre os quais Sérgio Cardoso e Ítalo Rossi. Com Cacilda Becker ele desfrutou de uma relação de companheirismo privilegiada. Foi colega de palco, marido e pai da filha desta atriz, a única que talvez possa arrebatar de Fernanda Torres o título de maior dama do Teatro nacional.  Mas, esta produção admirável de Walmor foi ainda muito vasta:  21 filmes, 35 telenovelas, quase 40 peças de Teatro.


Quando completou 55 anos de vida artística em 2005, Walmor surpreendeu seus admiradores com uma declaração. Tinha, então, 74 anos de idade e atuava no espetáculo Um Homem Indignado. Para o jornalista Diógenes Campanha, da revista Isto É Gente, ele disse: “Fiz uma carreira brilhante. Escolhi bem meu repertório, entrei em projetos que traziam crescimento cultural e agora estou no palco, colocando minha experiência para fora”.


Aquela autocondescendência era desconhecida em Walmor. Afinal ele tinha achado chatos seus papéis de galã de novela, a ponto de, por sua conta, acrescentar um braço enrijecido na composição de um personagem, apenas para fugir do tédio. Dizia para os amigos que a fama era algo vulgar. E, nos Anos de Chumbo, quando, se quisesse, podia se acomodar no status de respeitado ator de Teatro Clássico, ele aceitou aparecer nu, com o rosto pintado e sentado numa privada, na capa de Bondinho, publicação alternativa feita por jornalistas talentosos.


Há poucos dias, oito anos depois daquela declaração, Walmor abandonou o palco deste grande teatro que é a vida, com um tiro disparado contra sua própria cabeça. Gesto trágico – também teatral de certo modo -, impelido pelo quê? Quem poderá saber? Certo mesmo, é que, com ele, Walmor, mais uma vez, mostrou o quanto era capaz de  impactar. E nos fazer pensar.    

Posso ajudar?