A partir de 1.º de janeiro, o futuro governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) vai passar para o outro lado na mesa de negociações se quiser tirar do papel projetos de interesse dos paulistas que se arrastam há anos – em alguns casos, por demora ou discordância do próprio Tarcísio quando ministro da Infraestrutura do governo Jair Bolsonaro. Na lista, estão as históricas promessas de se fazer uma ponte ou túnel para ligar Santos ao Guarujá, na Baixada Santista, e de conceder à iniciativa privada a Hidrovia Tietê-Paraná. Em ambas as propostas, o aval terá de vir agora do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Durante a campanha, Tarcísio pouco detalhou suas intenções em cada uma das áreas do governo, mas firmou o compromisso de executar a ligação no litoral e incentivar o transporte hidroviário, assim como manter políticas em parceria com o governo federal na segurança pública, Justiça e habitação, principalmente. Parte das promessas foi atrelada à reeleição de Bolsonaro, como, por exemplo, trabalhar para reduzir a maioridade penal, colocar um fim às audiências de custódia e construir 200 mil unidades habitacionais a partir do programa federal Casa Verde e Amarela, o antigo Minha Casa, Minha Vida.
Com a volta de Lula à Presidência, o ex-ministro terá de negociar em sua antiga pasta a liberação, pela Autoridade Portuária de Santos, de uma licença para executar uma ponte com o Guarujá, conforme projeto defendido pelo Estado, ou um túnel, modelo preferido por Tarcísio. O futuro governador só escapará dessa condição se a concessão da gestão do Porto de Santos sair até o final do ano, o que tem se tornado cada vez mais improvável.
Quando comandou o Ministério da Infraestrutura, Tarcísio não deu andamento à proposta paulista. De acordo com a gestão Rodrigo Garcia (PSDB), o projeto da ponte sofreu uma série de alterações a pedido do ex-ministro e segue à espera de resposta federal desde novembro de 2020. A obra é orçada em R$ 3,9 bilhões.
A assessoria do ex-ministro reforçou sua preferência pelo túnel, conforme previsto no projeto de desestatização do Porto de Santos, desenvolvido pela pasta durante sua gestão, e que, neste momento, é analisado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). "Uma ponte comprometeria a área de manobra dos navios (que estão cada vez maiores), o que causaria possíveis acidentes e colisões. Além disso, seria necessária uma área maior de desapropriações dentro do próprio porto para a construção de alças suficientemente altas para não prejudicar o fluxo das embarcações", informou, por meio de nota.
Também em processo de transição, o futuro governo Lula não tem se manifestado sobre projetos pontuais, mas dado prioridade à aprovação do Auxílio Brasil em R$ 600 no ano que vem. A questão da desestatização do Porto de Santos, no entanto, foi tema de campanha em São Paulo e recebeu críticas do então candidato petista Fernando Haddad, que é contra repassar a gestão para a iniciativa privada.
Outra discordância clara entre os futuros governos diz respeito ao porte e posse de armas. Durante a campanha, Tarcísio defendeu que o paulista possa ter "liberdade" para buscar seu porte e posse de armas, medida que será dificultada pela terceira gestão Lula. Em um dos poucos anúncios até agora, a equipe de transição federal afirmou que vai propor um "revogaço" dos decretos editados por Bolsonaro para facilitar o acesso a armas no Brasil.
No plano de governo apresentado à Justiça Eleitoral, Tarcísio ainda propõe uma Cooperação SP-Brasília para enfrentar o crime organizado no Estado por meio de parcerias entre as polícias estaduais e federal, assim como trabalhar em sintonia com a União em programas de transferência de renda e combate à fome.
<b>Hidrovia e trem</b>
Se a promessa de uma ligação entre Santos e Guarujá segue sem prazo, a candidatura de Tarcísio fez andar a liberação de um outro convênio esperado pelo governo tucano para a ampliação do canal de Avanhandava, na Hidrovia Tietê-Paraná. Depois de permanecer parado por um ano e meio no Ministério da Infraestrutura, a pasta autorizou o projeto em março deste ano.
Com o repasse de R$ 340 milhões para realização da obra, o prazo de conclusão está previsto para o próximo dia 30. A ampliação permitirá a navegabilidade de cargas durante todo o ano, mesmo nos períodos de seca, abrindo caminho para uma eventual concessão da hidrovia, o que dependerá de novo aval federal. Também por nota, Tarcísio afirmou que a "concessão será estudada", visto que a hidrovia é prioritária para o Estado por sua importância para o equilíbrio e eficiência da matriz de transportes.
No caso do trem intercidades, projeto de ligação por trilhos entre São Paulo e Campinas, o futuro governo vai se beneficiar da assinatura de um termo de cooperação técnica assinado entre o Estado e o Ministério da Infraestrutura no último dia 4. O ato, que libera o uso de trilhos já existentes, mas sob gestão federal, foi celebrado pelo substituto de Tarcísio na pasta, o atual ministro Marcelo Sampaio Cunha Filho.
A demora federal em liberar os trilhos, no entanto, postergou a licitação, programada apenas para 2023. Durante a campanha eleitoral, a mesma promessa de executar o trem foi defendida por Haddad e já prometida pelo futuro vice-presidente Geraldo Alckmin.
Ao <i>Estadão</i>, Tarcísio afirmou que, enquanto esteve como ministro da Infraestrutura, prezou por manter diálogo aberto com representantes de todas as Federações do Brasil, sempre em busca da melhor solução para a população e para o setor de transportes do País.
<b>Dutra e Rio-Santos</b>
Ao virar governador, Tarcísio vai se deparar com ao menos outras duas demandas na área de mobilidade que poderiam ter sido resolvidas durante sua passagem pelo ministério. Uma delas diz respeito ao preço cobrado nos pedágios do trecho paulista da Via Dutra. Antes de desembarcar em São Paulo, o então ministro autorizou a concessão da rodovia com descontos maiores nas praças do Rio, em decisão que provocou reação dos prefeitos paulistas. A redução dos valores cobrados nas regiões de Arujá e de Guararema, por exemplo, foi de 3%, enquanto em Itatiaia chegou a 21%.
No mesmo negócio comandado pelo ex-ministro ficou estabelecido que a Rodovia Rio-Santos seria duplicada da capital fluminense até Angra dos Reis, deixando a parte paulista de fora. A solução adotada por Doria, à época, foi pedir que o trecho paulista passasse ao comando do Estado, que agora precisa de recursos para tocar a obra.
Em ambos os casos, Tarcísio indica que não deve propor mudanças. Segundo ele, a modelagem da concessão das rodovias Dutra e Rio-Santos foi baseada em critérios técnicos, que deram lugar a um dos contratos rodoviários mais modernos do País.
"Vale ressaltar que realizar uma nova concessão – e não uma renovação – possibilitou uma série de melhorias no contrato, incluindo um aporte total de quase R$ 15 bilhões em investimentos e uma redução tarifária importante na ligação entre São Paulo e Rio de Janeiro, além de outros mecanismos à disposição para o usuário que reduzem ainda mais o valor a ser pago e a isenção de pedágio para motociclistas."
Sobre a Rio-Santos, o novo governo considera que uma duplicação da rodovia no trecho paulista elevaria o valor da tarifa a ser cobrada e demandaria de um alto investimento por causa da complexidade da obra no trecho que abrange a Serra do Mar, além do severo impacto ambiental na região.
<b>Confira as promessas que dependem de aval federal:</b>
– Ligação Santos-Guarujá.
– Concessão da Hidrovia Tietê-Paraná.
– Trem intercidades.
– Fim das audiências de custódia.
– Redução da maioridade penal.
– Cooperação SP-Brasília para combate ao crime.
– Construção de 200 mil moradias.