Após voltar, em 1971, de uma temporada de estudos na França, onde tive contato com grupos de teatro de bonecos, o casal de artistas plásticos Álvaro Apocalypse (1937-2003) e Terezinha Veloso (1936-2003) ficou empolgado para fazer seus próprios bonecos. Eles fabricaram seis, todos em papel-cartão, com os quais apresentaram A Bela Adormecida. Nascia aí um grupo que vem durando tanto quanto esse elenco artesanal: com mais de 40 anos de história, o Giramundo ganha, a partir deste sábado, 29, uma ocupação no Itaú Cultural. E os primeiros bonecos, de papel e ainda conservados, vão estar expostos.
Essa é a 21ª ocupação feita pelo instituto, que sempre fez homenagens individuais – para artistas como Sérgio Britto, Zé Celso e, mais recentemente, Laerte e Zuzu Angel -, com exceção da exposição sobre o Ballet Stagium. “Queríamos trazer um grupo com artistas de referência e que tivessem um legado”, diz Tânia Rodrigues, uma das curadoras da mostra. “É, também, uma opção de lazer para as crianças que vão ficar em São Paulo nas férias.”
No andar térreo, 194 bonecos serão expostos junto a uma cronologia, destacando os espetáculos mais marcantes e a evolução do modo de confeccionar os bonecos. Segundo Beatriz Apocalypse, filha de Álvaro e uma dos três diretores do Giramundo, o processo de fabricação tinha mudanças a cada ano, mas as tendências podem ser dividias por décadas. “Nos anos 70, não existia um projeto técnico detalhado: os artistas, que eram experientes, tinham margem para construir os bonecos”, diz. “Nos anos 80, novos artistas chegaram, aí o Álvaro tinha de fazer um projeto meticuloso, indicando detalhes como cortes, espessura da madeira, materiais.” Segundo ela, foi a partir dos anos 90, quando os marionetistas acumularam experiência, que Álvaro passou a fazer projetos mais simples, com tempo para a criação.
A complexa arte de fazer bonecos poderá ser apreciada em todas as suas etapas durante a ocupação. Às quintas e sextas-feiras, entre 15h e 20h, um bonequeiro montará exemplares diversos, sempre aos olhos do público. Os bastidores também podem ser vistos na esquetes que vão ser encenadas no espaço expositivo. Um palco móvel, que se recolhe quando não há espetáculos, permite ver as peças de frente para os bonecos ou por trás deles, conhecendo os mecanismos.
Segundo Marcos Malafaia, também diretor do Giramundo, muitos dos espetáculos do grupo têm técnica híbrida. Isso significa que um boneco pode ter réplicas usadas de acordo com a necessidade da cena. “A Alice (de Alice no País das Maravilhas), por exemplo, tem uma versão de marionete, com fios, mas a técnica não fica tão boa quando ela tem de correr do coelho”, diz Malafaia, apontando outras duas versões para a personagem: em fantoche e como boneco de balcão, controlado pela parte traseira.
É Alice, a propósito, um dos pontos altos da programação. Espetáculo mais recente do Giramundo, o clássico vai ser apresentado no Auditório Ibirapuera, no dia 13 de dezembro, às 20h. Premiada em Minas Gerais em seis categorias – entre elas, a de melhor espetáculo e melhor trilha sonora original, assinada por John Ulhôa e Fernanda Takai -, a montagem é um exemplo da modernização do grupo.
Com um pé no universo digital desde 2005, a companhia trabalhava com projeções que, além de terem um bom resultado estético, facilitavam a resolução de problemas, como proporções entre personagens. Em Alice, o passo dado foi maior: o Gato de Cheshire é manipulado por motion capture, processo em que uma câmera capta os movimentos do ator, reproduzindo-os no boneco. “O Álvaro sempre buscou novas possibilidades plásticas para os trabalhos, gostava de variar os contextos. Quando surgiu o boneco digital, era inevitável a nossa atração por ele”, diz Malafaia.