Estadão

Tela da fase social de Tarsila chega ao mercado por valor milionário

Duas telas separam a vida de Tarsila do Amaral (1886-1973), principal pintora do Modernismo brasileiro, em fases distintas. E não só na pintura. Em 1929, os pais de Tarsila, donos de fazendas de café, foram à bancarrota com o crash da Bolsa de Valores de Nova York. De repente, a mulher elegante, que se vestia com o francês Poiret, viu-se como uma Cinderela depois do baile. Caiu na real e, nesse mesmo ano, pintou uma cena bucólica com dois porquinhos. Quatro anos depois dessa despedida às ousadias formais da fase Antropofágica, marcada sobretudo pela influência de Léger, Tarsila, ainda casada com o médico comunista Osório César, pintou a segunda obra mais importante da sua "fase social" (a primeira é Operários, no acervo dos palácios do Governo do Estado de São Paulo), a tela Segunda Classe (1933), de dimensões médias (110 x 151cm), que o marchand Paulo Kuczynski coloca à venda em seu escritório com uma exposição, aberta a partir do dia 11.

A pintura não chega ao valor da mais cara tela de Tarsila, Abaporu (1928), pintada no auge do movimento Antropofágico, mas está perto de outra tela que foi parar no MoMA (Museum of Modern Art) de Nova York, A Lua (1928), vendida há dois anos por US$ 20 milhões (mais de R$ 100 milhões). Quem estiver interessado numa pintura sem as cores oníricas de A Lua, mas com a tonalidade terrosa da pobreza brasileira, deve desembolsar R$ 90 milhões para ter Segunda Classe em sua sala. Ou metade desse valor (R$ 45 milhões) pelos dois porquinhos de Tarsila.

<b>Oriente</b>

Segunda Classe, diga-se, estava em mãos de particulares. Sempre esteve. Deveria estar nas paredes de um museu, mas os museus brasileiros, mais descapitalizados que os migrantes da estação ferroviária de Segunda Classe, devem passar longe da tela. É provável que a pintura tenha o mesmo destino que Abaporu, arrematada pelo empresário Eduardo Costantini, em 1995, por US$ 1,4 milhão (hoje valendo cem vezes mais) e parte do acervo do Malba, museu fundado por ele em Buenos Aires. O marchand Kuczynski, que intermediou a venda de A Lua para o MoMA, revela que já recebeu ofertas de outros países por Segunda Classe. Todos bem longe daqui – um deles no Oriente Médio.

Tarsila deixou mais de 2 mil obras, mas relativamente poucas telas (240), o que explica a disputa por pinturas icônicas da artista (A Caipirinha, de 1923, alcançou R$ 57,5 milhões num leilão em dezembro de 2020). Segunda Classe, segundo Kuczynski, está com a mesma família há muitos anos. Foi comprada da própria Tarsila pelo médico Milton Guper, morto em 1998 e casado com Fanny Feffer, filha de Leon Feffer, fundador da fábrica de papel e celulose Suzano. Guper também era dono de A Lua, que foi para o MoMA. Já Os Dois Porquinhos eram muito queridos da família de René Thiollier (1882-1968), o homem que alugou (com dinheiro do próprio bolso) o Municipal para a turma da Semana de Arte Moderna de 1922. A tela ficou 70 anos na família Thiollier, que era dona de todo o vale do Anhangabaú.

<b>Social</b>

O investimento de Kuczynski para promover a venda dos dois quadros de Tarsila foi alto. A sua exposição (Tarsila – As Duas e a Única) é uma exclusiva mostra com apenas duas telas, mas cercada de um aparato (tecnológico, inclusive) memorável. Além disso, publicou um catálogo com textos de especialistas na obra de Tarsila (de Aracy Amaral a Regina Teixeira de Barros, passando por Jorge Schwartz e o espanhol Juan Manuel Bonet) e produziu um vídeo com depoimentos sobre as telas expostas.

A fase "social" começa com a derrocada da família de Tarsila após o crack da Bolsa e o avanço do ditador Getúlio Vargas rumo ao poder, aproveitando-se do golpe que derrubou a República Velha. Tarsila, que se sentiu atraída pelo socialismo por influência do médico e companheiro Osório César, foi presa, em 1932, após sua viagem à URSS, no verão de 1931.

De passagem por Berlim, ela conheceu a pintura do alemão Hans Baluschek (1870-1935) no museu Märkisches – e a forte impressão que lhe causou a tela Proletários teria levado a pintora aos rostos de seus trabalhadores retratados na tela Operários, igualmente inspirada nos cartazes soviéticos dos anos 1930. Baluschek também é autor de uma tela chamada Os Emigrantes (Die Auswanderer, 1924), que mostra um casal miserável com dois filhos sentados num baú à espera de um trem.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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