Marcos Catão, sócio do CTA Advogados e professor de direito desportivo da Universidade Complutense de Madrid, na Espanha, é o nono entrevistado da série sobre finanças no futebol. Membro do conselho que elaborou o projeto de clube-empresa no Brasil, ele vê como fundamental para a saúde financeira das equipes a migração de associação civil para sociedade anônima.
"Do jeito que está a tendência é que muitos clubes quebrem como o Cruzeiro. Como vem acontecendo há tempos. E acabou também com outros clubes tradicionais, centenários, como a Portuguesa e o América-RJ", declarou o especialista em entrevista ao <b>Estadão</b>.
<b>Como vê a administração dos clubes hoje em dia?</b>
O atual estágio, de uma maneira geral, é péssimo. E a situação se agravou com a pandemia. Isso no mundo inteiro.
<b>Qual é a saída para essa crise?</b>
Os clubes, como associação civil, podem crescer um pouco, claro, mas não existe a menor chance de aumentar consideravelmente o faturamento. O caso do Flamengo é emblemático, mas é único por causa do tamanho da torcida. Há outros bons exemplos de administração como a do Ceará, que teve a iniciativa de produzir o uniforme, assim não precisa repassar valor para o fornecedor. Os clubes se movimentam para criar novas fontes de receita. Mas os clubes, como associação civil, não têm muitas condições de ir ao mercado. E isso hoje em dia é fundamental.
<b>A Medida Provisória 984 pode ajudar na saída dessa crise?</b>
Essa história de só o mandante receber vai funcionar até a esquina. Um pouco adiante vai criar o "papagaio de arena", que é o clube ficar esperando que o Flamengo ou o Corinthians venham jogar na sua casa para ganhar um tostão. Isso só faz aumentar o gap enorme e vai na contramão do Fair Play Financeiro. A criação da FlaTV, FluTV, CorinthiansTV pode ser boa porque elimina um intermediário, mas é muito pequena ainda.
<b>A saída é o clube se tornar empresa?</b>
Acho que a MP do clube empresa não tem que ser obrigatória. O projeto é muito bom e precisa passar. Meu medo é que aconteça o mesmo que aconteceu com a reforma tributária do governo, que demore um ano e meio para aprovar e quando chegar, chegue já defasada. O processo de regulação precisa ser rápido. Sai com a regulação e depois melhora. A pior coisa é ficar sem regulação. Os clubes estão completamente quebrados.
<b>Uma das críticas ao modelo proposto no Congresso é que a Medida Provisória seria só mais uma forma de perdoar as dívidas sem contribuir para de fato organizar a gestão dos clubes.</b>
Seria interessante deixar os clubes escolherem. Na Espanha, deixaram não aderir ao clube-empresa associações que tiveram superávit nos últimos três anos. Sobraram quatro clubes: Real Madrid, Barcelona, Osasuna e Athletic Bilbao. Talvez pudesse incluir isso no Brasil. Quem está mal das pernas adere e não vai poder ficar financiando a dívida no Profut.
<b>O que acha mais importante nessa mudança?</b>
A questão do regime tributário. Hoje tem discussão. Clube-empresa coloca alíquota de 5% como se fosse um Simples do futebol. Hoje não é bem verdade que os clubes não pagam nada de imposto. Eles pagam a contribuição previdenciária sobre receita bruta, que é 5%, o que não é pouco. Pagam também contribuição previdenciária para o governo sobre folha de salário, de 4,5%. Acredito que seja melhor ter regra fixa para todos.
<b>A mudança para o formato S.A. pode contribuir para que clubes percam seus nomes tradicionais como aconteceu com o Bragantino, por exemplo?</b>
Acho que não. O caso do Red Bull é pontual, na figura de clube-empresa bem administrado, de uma empresa que quis criar clubes de futebol. No modelo proposto a intenção é atrair investidor. Quando tem investidor e diversas formas de receita o patrocinador vai ser mais uma forma de receita. Num ambiente saudável as rendas correspondentes seriam: 20% arena, 15% patrocinador, 30% de operação de matchday, outras receitas menores. Patrocinador não tende a ser tão relevante. Os clubes brasileiros são centenários, torcedores não iriam deixar acontecer. Até porque também para muitas empresas talvez não seja interessante ficar com o nome vinculado a um clube.
<b>Além da dificuldade com arrecadação, os clubes perdem também muito dinheiro com questões judiciais. Isso dá para evitar ou é um dinheiro que inevitavelmente o clube vai perder?</b>
É absolutamente evitável. Jogador de futebol tem legislação específica com série de questões. Quando se negocia um atleta, se destaca a parte bonita que é do ganho, mas não falam da feia. Quando você faz um longo contrato, de quatro anos, por exemplo, se você manda o jogador embora no meio do contrato você continuará pagando proporcionalmente. E muito clube faz isso, contrata, dispensa e depois briga na Justiça. E perde. Passivo judicial, fiscal e trabalhista é fruto da má administração.
<b>A saída do futebol brasileiro é a aprovação do projeto de clube-empresa. Mas como Barcelona, Real Madrid e Bayern de Munique seguem sustentáveis como associações?</b>
Dá certo porque o sócio desses clubes é o cara que tem cadeira no estádio. O Santiago Bernabéu tem 78 mil cadeiras, 63 mil são de sócios abonados. Uma cadeira no Bernabéu vale 1 milhão de euros e tem fila de cem mil pessoas para comprar.
<b>Então no Brasil há mais saídas?</b>
Pode ter clubes que sejam viáveis nessa linha de associação civil. O Brasil tem grande potencial para atrair investidor. Se houvesse abertura de capital dos clubes, acredito que apareceria gente que compraria R$ 10 mil em ação, R$ 20 mil. O mercado brasileiro tem no mínimo 100 milhões de pessoas que gostam de futebol. Tem espaço para abrir mercado de capitais sadio.
<b>Qual sua crítica ao modelo proposto de clube-empresa?</b>
Acho que não tem que ter tipo societário único, específico para o futebol. Não tem um único tipo societário para telecomunicações, para petróleo e gás, por que vai ter para o futebol?
<b>O que acha que vai acontecer com o futebol brasileiro se essa lei não for aprovada?</b>
Do jeito que está a tendência é que muitos clubes quebrem como o Cruzeiro. Acabou. Tem outros exemplos de clubes tradicionais como a Portuguesa, o América-RJ, que acabaram. A Portuguesa, com o estádio do Canindé, com toda uma comunidade de Portugal no Brasil… Bagunça, bagunça e acabou. O América, clube centenário carioca, com estádio. A mesma coisa. Se não houver uma mudança drástica, vários outros vão para o mesmo caminho.