Mundo das Palavras

Tensão no uso das palavras

Uma dose de incerteza, tensão e ansiedade parece sempre fazer parte da compreensão que temos da expressão “texto dissertativo”. Afinal ela se refere a um esforço feito por uma pessoa para que outra pessoa aceite determinado ponto de vista seu. O qual ela tenta sustentar dentro de uma estrutura verbal apoiada num raciocínio lógico. A incerteza, a tensão e a ansiedade são quase naturais porque não é pequena a ambição contida neste tipo de estrutura de texto. Com o uso dela, pretendemos que nosso interlocutor, como todo ser humano, dotado do direito à total liberdade de pensamento, admita como aceitável – e eventualmente até o incorpore como seu – um raciocínio feito por nós na sustentação de determinado ponto de vista. 


Uma situação típica: a do aluno de pós-graduação que se coloca diante de uma banca examinadora, numa universidade, para tentar obter um título acadêmico de doutor. Ele será bem sucedido se a dissertação que apresentar naquela ocasião for considerado consistente pela banca. Para isto terá de demonstrar que o ponto de vista que defendeu nela está bem fundamentado. Ele terá, portanto, de ser convincente diante de um grupo de pessoas bem preparadas para avaliar o que ele apresentar. Ora, numa situação desta, há sempre um grau de imprevisibilidade na reação da banca. Pois algum de seus membros pode achar que a argumentação apresentada contém falhas dificultando a aceitação do ponto de vista defendido pelo candidato ao título. E mais: ele pode, eventualmente chegar a demonstrar isto ao próprio candidato, gerando nele um sentimento de incerteza quanto à obtenção do título.  


Esta associação da palavra dissertação com o significado de defesa de um ponto de vista com incerteza, tensão e ansiedade se revela em muitas situações do nosso cotidiano. Outro exemplo: o da pessoa que se submete a uma bateria de exames médicos, na revisão anual de seu estado de saúde. Ela antecipadamente sabe que aqueles exames produzirão resultados que, avaliados pelo especialista no qual ela confia, vai produzir um ponto de vista nele com consequências na sua rotina. Este ponto de vista o especialista apoiará nos próprios exames, para convencer o paciente a aceitar o diagnóstico dele. 


No primeiro exemplo a tensão e a ansiedade são causadas pela incerteza do candidato quanto à aceitação do seu ponto de vista. No segundo caso, a tensão e a ansiedade advém da incerteza sobre o ponto de vista que os resultados dos exames levarão o médico a defender. 


Mas, felizmente, nós também usamos texto dissertativo – composto de ponto de vista e fundamentação – em momentos de convívio muito mais descontraídos. Chegamos até a brincar com o esforço natural de convencimento contido nele. Quando, por exemplo, num provocação bem-humorada a um amigo, tentamos demonstrar que o time de futebol pelo qual ele torce não tem grande possibilidade de vencer o campeonato daquele ano. Sabemos de antemão que ele dificilmente ele irá aceitar nossa argumentação. E, que se esforçará para nos demonstrar que, do seu ponto de vista, a nossa argumentação é frágil.  


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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