À primeira vista, espanta o plural no título de As Linguagens dos Quadrinhos. A obra do semiólogo italiano Daniele Barbieri se debruça sobre as técnicas dos quadrinhos em comparação com outras artes, buscando pontos de convergência. As semelhanças cotejadas vão desde as coincidências com planos cinematográficos e os enquadramentos da fotografia até aspectos inesperados, como a harmonia musical com as narrativas paralelas evocadas por legendas em HQs e a rima poética com a repetição das tiras de humor.
O livro foi publicado originalmente na Itália em 1991, mas permanece atual: “Os quadrinhos, como linguagem, não mudaram”, afirma Barbieri em entrevista ao Estado. O pesquisador veio ao Brasil para promover seu livro, recém-publicado pela editora Peirópolis, e para realizar uma palestra no encerramento da 4ª edição das Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos da ECA/USP.
Se Barbieri tivesse de acrescentar algo ao seu estudo hoje, seria a ascensão das graphic novels e o fenômeno das webcomics, pois, nesse novo estilo, o suporte digital elimina o limite espacial inerente ao papel. “Uma nova mídia cria novos territórios. As fronteiras do papel são muito bem definidas, são marcadas pelo costume do leitor, mas onde estão as fronteiras entre algumas webcomics e as animações?”, indaga o teórico.
As recentes adaptações cinematográficas de quadrinhos funcionam, para Barbieri, justamente por “criar uma realidade imaginária em que aqueles seres irreais se pareçam reais sem ser cômicos”, como eram nas séries televisivas dos anos 1960. Mas ele alerta: “Nenhum filme pode contar exatamente a mesma história que um quadrinho, embora tenha a mesma narrativa, pois ambas as linguagens têm condições diferentes de expressão”.
Nas últimas décadas, o quadrinho japonês se popularizou no Ocidente, e Barbieri cita como precursores Lobo Solitário (no original, Kubikiri Asa, publicado entre 1972 e 1976, dos favoritos de Frank Miller), com roteiro de Kazuo Koike e traço de Gozeki Kojima; e Akira, escrito e desenhado por Katsuhiro Otomo entre 1982 e 1990. “Mangás são metade do mundo dos quadrinhos. Hoje, existem menos diferenças entre as linguagens do que há 30 anos, pois os autores ocidentais aprenderam muito com os japoneses”, afirma o especialista, ressaltando a cadência no ritmo da narrativa como a mais marcante diferença entre os estilos.
Outra linguagem que surgiu durante os anos 1990 foi o jornalismo gráfico, explorado por Joe Sacco em 1996, durante uma viagem do autor à Faixa de Gaza. “Palestina teve um grande legado para os quadrinhos de informação. Hoje existem sites de quadrinhos jornalísticos”, constata Barbieri. Para ele, as principais peculiaridades desse gênero são a capacidade de “permanecer trágico mesmo que você ria e o fato de o jornalista contar sua própria experiência de campo. Isso confere um fascínio particular”. Em sua palestra, o teórico vai abordar The Photographer, uma mescla de HQ com fotos tiradas por Didier Lefrève no Afeganistão ocupado pelo exército soviético, em 1986.
Muitas dessas questões que surgiram nos últimos 26 anos desde a publicação original de As Linguagens dos Quadrinhos são abordadas por Barbieri em seu próximo livro, A Semiótica dos Quadrinhos, que, espera-se, não demore também um quarto de século para chegar ao Brasil.
AS LINGUAGENS DOS QUADRINHOS
Autor: Daniele Barbieri
Tradução: Thiago de Almeida Castor do Amaral
Editora: Peirópolis (270 págs., R$ 52)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.