Um tremor de terra abalou a cidade de Londres em 2008 e, embora não houvesse registro de grandes danos ou ferimentos, o chacoalhar de paredes naquela madrugada mexeu com a imaginação do dramaturgo Mike Bartlett e o estimulou a escrever uma de suas principais peças, Terremotos, que estreia no sábado, 5, no Teatro do Sesi.
Trata-se de um grande evento cultural – na peça com cinco atos e 30 atores, o impacto sísmico imaginado pelo autor inglês é traduzido em uma trama que aponta para uma moralidade dividida, oscilando entre a necessidade individual e a responsabilidade coletiva. "A partir de relações familiares fragmentadas, Bartlett mostra a ameaça vivida hoje pela humanidade, cujos atos podem levar à sua extinção", comenta Marco Antônio Pâmio, diretor do espetáculo, além de assinar a tradução e adaptação do original.
Pâmio assistiu à estreia da peça em Londres, em 2010, e ficou impactado por uma saga épica contemporânea encenada de forma totalmente não convencional. "Os atores interpretavam entre os lugares da plateia, o que obrigava os espectadores a se mexerem para todos os lados."
No Sesi, a disposição será a tradicional, mas não menos impactante. Terremotos acompanha a trajetória de três irmãs: Maya (Paloma Bernardi), dona de casa que trava uma difícil relação com sua gravidez; Yasmin (Bruna Guerin), a caçula que exercita seu cinismo enquanto aproveita a vida; e Sara (Virgínia Cavendish), a mais velha, que ocupa um cargo no governo e, embora pragmática, se contenta com medidas de pequeno impacto (como diminuir o tamanho da pista do aeroporto).
De formas distintas, elas sofrem com os erros cometidos no passado pelo pai (Rubens Kramer), brilhante engenheiro que, quando jovem, abriu mão de suas alarmantes descobertas na pesquisa ambiental e se corrompeu ao aceno da destrutiva indústria aérea, que atingiu expressivo progresso da década de 1970 em diante.
"Se há alguma forma de arte que deveria ser totalmente aberta para refletir toda a sociedade, é o teatro", disse Bartlett ao jornal inglês Evening Standard, em 2018. "E é o que ele faz, especialmente em Terremotos, cuja ação rápida, inundada de informações, serve como alerta", completa Pâmio.
<b>Cubos</b>
A montagem brasileira flerta com o cinema, a ópera e o musical, como pede o autor: projeções complementam as cenas, assim como os enormes cubos que delimitam os espaços e a trilha sonora, que colabora para pontuar a difícil trajetória de Maya – é a expectativa do destino de seu bebê, que vai chegar num mundo caótico, que transforma a peça em um espetáculo poético e apocalíptico. Sem avançar no spoiler, é surpreendente o desenlace em torno dessa criança.
"Logo no início do texto, ele escreve: a peça é sobre o excesso – e temos de sentir isso ", observa Pâmio, que preferiu não localizar as ações em um lugar específico (no original, é Londres), tornando possível que elas aconteçam em qualquer metrópole no mundo. Mas investiu na linguagem ágil, por meio de cenas curtas, em ritmo quase cinematográfico.
Para isso, tornou-se essencial a participação de Marco Aurélio Nunes que, ao assinar a coreografia e a direção de movimentos, tornou-se praticamente um codiretor. "Boa parte do elenco é formada por não bailarinos, então, os gestos são orgânicos, naturais, que reproduzem o estado de espírito dos personagens naquele momento da história", comenta Nunes, que traz belos momentos como a dança dos carrinhos de bebê.
Como de hábito, Bartlett parte do individual para tratar do conjunto. "E oferece a possibilidade de que possamos evitar o fim do planeta", diz Pâmio.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>