O Tesouro Nacional abriu nesta quinta-feira, 27, consulta pública sobre as novas regras que determinarão o “espaço fiscal” que cada Estado terá para contratar novas operações de crédito. Na prática, a medida pretende impedir que Estados com capacidade de pagamento C ou D, as piores notas no “rating” dos governos regionais, contratem qualquer empréstimo novo, ainda que diretamente com as instituições financeiras, ou seja, sem garantia da União. O lançamento da consulta pública foi antecipado na quarta-feira pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) e está formalizado no Diário Oficial da União (DOU) desta quinta.
Os interessados têm 30 dias para enviar contribuições. Depois, uma comissão do Tesouro terá mais 30 dias para responder às sugestões. A ideia é que a versão definitiva da portaria seja editada até o fim deste ano.
As regras valerão para Estados e municípios que têm dívida com a União e são signatários do Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal ou do Programa de Acompanhamento Fiscal (PAF). Dos Estados, apenas Rio Grande do Norte, Piauí, Tocantins e Amapá não se enquadram nesse critério.
Os limites para novas operações de crédito hoje são discricionários, negociados caso a caso. A ideia é estabelecer parâmetros e uma fórmula geral para fazer o cálculo, que levará em conta a situação fiscal do Estado e sua capacidade de pagamento. Com a padronização da fórmula, o objetivo é afastar qualquer eventual risco de ingerência política durante o processo de negociação para novos créditos.
Critérios
No passado, governos estaduais alinhados ao governo federal receberam sinal verde para se endividar, inclusive com garantias da União, nessas operações, apesar de já estarem em péssimas condições financeiras. Um deles foi o Rio de Janeiro, que hoje está em recuperação fiscal e teve o pagamento da dívida suspensa pelo programa na tentativa de recompor suas finanças.
“Queremos uma regra que seja calcada na responsabilidade fiscal, que o Estado possa pegar de empréstimo o que ele consegue pagar. A gente não quer uma situação dessas (Rio de Janeiro) em outros Estados”, explica a coordenadora de Relações com Estados e Municípios do Tesouro Nacional, Sarah Tarsila Andreozzi.
O Ministério da Fazenda já havia fechado a porta para operações mais arriscadas ao revogar a portaria que permitia exceções a Estados que tivessem classificação de risco C ou D. Antes, o ministro da Fazenda poderia se valer dessa excepcionalidade para conceder garantia do Tesouro Nacional a Estados com notas ruins – expediente muito usado entre 2012 e 2015, na gestão Dilma Rousseff, e que foi alvo de críticas pela área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU).
Mais recentemente, alguns Estados e municípios começaram a contratar operações sem garantia da União para driblar restrições impostas pelo Tesouro. “A portaria sobre o espaço fiscal complementa fechando a porta tanto para operações com garantia quanto sem garantia do Tesouro”, diz o gerente de Relações e Análise Financeira dos Estados, Eric Lisboa.
O espaço fiscal de cada Estado será calculado a partir de sua classificação, de A a D, e do seu nível de endividamento em relação à Receita Corrente Líquida (RCL). Esse limite será estimado anualmente, e apenas Estados com nota A ou B terão espaço fiscal para contratar novos empréstimos. Dentro desse limite, no máximo 50% poderá ser consumido por operações com garantia do Tesouro Nacional.
A proposta que está em consulta pública pressupõe que, dos 14 Estados que hoje têm nota A ou B e podem contrair novos empréstimos, sete teriam incremento em seus limites graças a suas boas condições financeiras. São Estados que já consumiram boa parte do espaço fiscal com empréstimos negociados anteriormente ou que haviam solicitado limites pequenos.
Agora, eles poderão ser “premiados” pela saúde das contas e contratar novas operações para financiar investimentos. O Tesouro Nacional não divulga a lista porque a metodologia ainda pode sofrer alterações durante a consulta pública.
Transição
Haverá uma regra de transição para não prejudicar aqueles que eventualmente ficarem com limites inferiores ao espaço remanescente atual. A avaliação é de que Estados nessa situação já contam com o espaço para contrair novos empréstimos e seria injusto restringir o processo em meio a sua tramitação. A ideia é manter o limite atual até que ele seja consumido por novas operações.
Pelas simulações preliminares, há o caso de um Estado que tem um limite remanescente de R$ 22 milhões para novas operações de crédito. O limite calculado, porém, é superior a R$ 300 milhões. Nessa situação, passa a valer imediatamente o novo limite.
O Estado pode ou não consumir todo esse espaço. Independentemente disso, ele terá um novo limite calculado no ano seguinte. Caso o novo espaço seja maior que o remanescente, fica valendo o maior. Em caso de piora da avaliação, o Estado ainda poderá usar todo o espaço restante do ano anterior – mas só voltará a ter incremento de limite se a situação financeira melhorar.
Por exemplo, se o Estado usar metade dos R$ 300 milhões e, no ano seguinte, ficar com nota C na capacidade de pagamento, ele ainda poderá usar os outros R$ 150 milhões para contratar novos empréstimos. No entanto, só receberá novos limites quando sua situação financeira melhorar a ponto de recuperar a nota B ou A na classificação de risco.
Outro ganho em relação à regra atual, segundo os técnicos, é a transparência. Hoje, o Estado ou o município só sabe seu espaço fiscal para contratar empréstimos na revisão do PAF, que ocorre em outubro de cada ano, e o número não fica disponível para o público em geral. Com a nova metodologia, os próprios entes e até as instituições financeiras que concedem esses créditos poderão fazer simulações a partir dos dados disponíveis sobre receita corrente líquida, endividamento e liquidez dos Estados e municípios.
Decreto
O Diário Oficial desta quinta traz também decreto com alterações na regulamentação voltada para Estados e municípios que firmarem Programa de Acompanhamento Fiscal ou Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal. O texto estabelece que esses entes devem fixar metas ou compromissos anuais para o exercício financeiro de referência e estimativas para os dois exercícios subsequentes.
O decreto define ainda que a revisão dos planos ocorrerá até 31 de outubro de cada exercício financeiro e que o Tesouro Nacional avaliará preliminarmente, até 31 de julho do exercício financeiro subsequente ao exercício avaliado, a execução das metas ou dos compromissos no âmbito do Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal.
Para este ano, o decreto permite ao Tesouro Nacional receber o Demonstrativo de Cumprimento do Limite para Despesas Primárias Correntes no prazo de até dois meses após o prazo originalmente previsto. Veja aqui o decreto.