Num momento de forte elevação de gastos e do endividamento público para mitigar os efeitos da pandemia do novo coronavírus sobre a economia, a discussão sobre eventual mudança na âncora fiscal perseguida pelo governo brasileiro poderia tirar o foco dos esforços de aprovação das reformas necessárias, afirma o subsecretário da Dívida Pública do Tesouro Nacional, José Franco de Morais, em entrevista ao <b>Estadão/Broadcast</b>, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado.
O alerta é dado em meio ao crescente debate sobre a sustentabilidade do teto de gastos, mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação e hoje a "superâncora" do governo brasileiro na sinalização de compromisso com o ajuste fiscal, e sobre a conveniência de alterar a regra fiscal para prever uma meta de dívida pública.
Um dos pais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o economista José Roberto Afonso é um dos que defendem adoção de uma meta de dívida pública, associada a um teto de gastos mais flexível. Para ele, a nova regra sinalizaria a investidores um compromisso "crível" com a reorganização das contas públicas, uma vez que há risco de descumprimento do teto fiscal nos próximos anos.
O Tesouro, por sua vez, acredita ser mais produtivo neste momento centrar poder de fogo na articulação pela aprovação das reformas que podem combater o verdadeiro problema: o crescimento acelerado de despesas obrigatórias, aquelas que o governo não pode cortar por conta própria e precisa do aval do Congresso Nacional para revisar.
<b>Medidas</b>
"O problema não é a regra fiscal em si, o desafio é tomar as medidas necessárias que reforcem o processo de consolidação fiscal. Isso vai ter de acontecer independentemente do fato de termos um limite para a dívida ou um limite para os gastos", afirma Franco. "O Tesouro está concentrado em tomar medidas para cumprir o teto de gastos, que é a âncora fiscal que nós temos hoje", diz ele, reforçando que não há nenhum debate dentro do órgão para alterar a regra fiscal.
Neste ano, a dívida bruta deve sair de 75,8% do PIB para 93,5% do PIB, segundo a última projeção do Ministério da Economia. O patamar é considerado elevado para países emergentes como o Brasil, daí a necessidade de sinalizar compromisso com a agenda de reformas, incluindo a tributária, a administrativa (que mexe no RH do serviço público) e as privatizações (cujos recursos da venda podem ser usados para abater dívida).
Segundo o subsecretário, um limite para a dívida pública, a depender de como for desenhado, poderia até mesmo amarrar as ações do Banco Central no controle da inflação. Quando o BC vende títulos da dívida pública (com compromisso de recompra após um período) para enxugar liquidez de recursos no mercado, as chamadas operações compromissadas, isso eleva a dívida bruta do governo. Se esse indicador tiver um teto, o BC poderia, em tese, ficar impedido de atuar para cumprir sua missão de manter a estabilidade do poder de compra da moeda.
Economistas do mercado financeiro e a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado advertem para o risco de o teto de gastos estourar já em 2021, caso não haja avanço na agenda de reformas. O Tesouro, porém, prevê que o limite para as despesas será cumprido em 2021 e 2022.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>