Um texto de 80 anos de Mário de Andrade retorna nesta terça-feira, 3, aos palcos na forma de uma ópera. Café, escrito entre 1932 e 1942, narra uma fictícia revolução de trabalhadores rurais após a crise da bolsa de Nova York em 1929. E ganhou adaptação do diretor Sergio de Carvalho e do compositor Felipe Senna, que estreia no Teatro Municipal de São Paulo.
É a terceira estreia de óperas brasileiras desde o início da temporada do teatro em março, após Navalha na Carne, de Leonardo Martinelli, e Homens de Papel, de Elodie Bouny. E, como elas, inspiradas em peças do dramaturgo Plínio Marcos, retoma um autor-chave brasileiro para a compreensão da cultura do País no século 20, no momento em que se celebra o centenário da Semana de Arte Moderna.
"Trabalhar esse texto do Mário de Andrade em 2022 nos coloca muitas possibilidades. O que procuramos fazer foi respeitar o seu projeto, mas traduzir o espírito da obra à luz do nosso tempo", explica Carvalho, responsável tanto pela adaptação do texto como pela direção cênica.
"A grande homenagem ao espírito do modernismo encarnado no Mário de Andrade está não na busca por recriar uma obra como eles faziam, mas sim em propor a partir dela uma reflexão artística atual", completa Senna.
Quando começou a trabalhar no libreto de Café, Mário de Andrade tinha na memória recente o impacto da crise de 1929 na economia brasileira e as consequências sofridas pelos trabalhadores rurais. Sua intenção, como escreveu na introdução ao texto, era que a história "girasse em torno de algum sistema de produção que entra em crise, tendo como consequência o desemprego e a instabilidade social".
"O texto tem muitos níveis de leitura. Há o nível da temática social, política, que faz um retrato da miséria, da fome. Mas ele usa uma alegoria, pois essa revolução de que fala nunca aconteceu", explica Carvalho. "E há ainda um debate sobre o papel do artista diante da realidade, da importância de se tomar partido contra o que ele chama de donos da vida."
Pelas múltiplas camadas de significado ou pela forma, não é um texto de fácil adaptação – e não por acaso diversos compositores, mesmo na época de Mário de Andrade, se recusaram a transformá-lo em música. "A primeira dificuldade é que, ao contrário do que costuma acontecer na ópera, não há um protagonista. O protagonismo está no coro, no coletivo. E isso exige repensar a maneira de escrever a música", diz Senna.
Em outras palavras, para uma ópera de cunho social, é o coletivo (representado pelo Coral Paulistano), mais do que o indivíduo, que fala. E essa multiplicidade de vozes também se faz presente na música, que une traços do folclore e de manifestações populares, tão importantes para Mário de Andrade, elementos da música serial, do rap, e conta com a participação da cantora Juçara Marçal.
"Na própria criação do espetáculo, busquei ouvir todas essa vozes que estarão no palco, para que elas também pudessem participar de um processo que fosse coletivo. Os bailarinos do Balé da Cidade, os cantores do Paulistano, a Juçara, cada um foi convidado a trazer elementos para o espetáculo."
<b>LEMBRANÇA</b>
A direção musical de Café é do maestro Luis Gustavo Petri, à frente da Orquestra Sinfônica Municipal. É uma presença simbólica – Petri comandou a estreia, em 1996, de outra versão musical para Café, assinada por Hans Joachim Koellreutter, em Santos.
"À medida que fui reconhecendo o texto, várias lembranças foram retornando a respeito do processo de quase três décadas atrás", ele conta.
Para ele, a música de Senna consegue a proeza de, em meio à diversidade, encontrar um caminho pessoal. "Ele trabalha muito bem a ideia do coro como protagonista. E vai dando à partitura ambientações sonoras muito diferentes. A música, assim, se transforma, muda, transfigura ao longo do espetáculo. E, ao mesmo tempo, se mantém una, justamente pela capacidade do compositor de utilizar motivos recorrentes, que amarram a narrativa."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>