Thiago Veigh, cantor de 22 anos, criado na Cohab 1 da periferia de Itapevi, São Paulo, teve o álbum de estreia mais ouvido no mundo no Spotify no dia 21 de maio. Nenhum artista pop brasileiro, seja Anitta ou Gusttavo Lima, conseguiu antes 6,5 milhões de plays no serviço de streaming em um álbum no dia do lançamento.
<i>Dos Prédios Deluxe</i>, segundo trabalho de Veigh, também teve todas as faixas entre as 50 mais ouvidas no Brasil no Spotify, serviço de música mais popular no País. Ele é um dos fenômenos brasileiros do trap – variação do rap surgida no sul dos EUA e que há uma década se infiltra no pop global.
Recentemente, entre as cinco canções mais ouvidas no Brasil no Spotify, duas são de sertanejo, estilo que tradicionalmente domina os rankings. Seu maior concorrente agora é o trap: as outras três faixas no top 5 hoje são de novos ídolos deste estilo.
Cartão Black, faixa dos irmãos Kayblack e Mc Caveirinha, também paulistanos, é a música brasileira mais ouvida atualmente. Kaíque Menezes, o Kayblack, de 23 anos, lançou o primeiro EP, Contradições, e se tornou o segundo artista mais ouvido do País em menos de 48 horas. Todas as sete faixas do projeto figuram no top 100 do Spotify Brasil.
Por trás da numeralha impressionante estão batidas graves e arrastadas, um prato corrido agudo e letras hedonistas, sobre diversão e conquistas financeiras e sexuais, que refletem o desejo de festa e de ascensão social de milhões de jovens pelo mundo.
O festival The Town, grande evento musical que acontece no segundo semestre em São Paulo, escalou quase todos os novos ídolos brasileiros de trap. Conclusão: mesmo quem não escuta as músicas não tem fuga: vai ouvir falar do trap e seus ídolos.
Essa mudança é perceptível no mercado musical brasileiro desde 2020, segundo Rodrigo Azevedo, editor de música no Spotify no Brasil.
O trapper cearense Matuê teve, na semana de 11 a 18 de maio, oito músicas entre as 200 mais tocadas do País, sendo <i>Conexões de Mafia</i>, seu lançamento mais recente, o segundo lugar na parada.
<b>NAS NOVELAS</b>
MC Cabelinho, funkeiro que estreou no trap no fim do ano passado, conta com 10 faixas na parada. Como se não bastasse, virou estrela de novelas da TV Globo, no ar em <i>Vai na Fé</i>.
Rodrigo explica que o ritmo cresce há alguns anos, mas "sua presença tem se tornado cada vez maior devido ao interesse do público mais jovem, aliado ao amadurecimento da identidade brasileira do trap, e colaboração entre artistas de trap e funk".
Além disso, o comportamento do consumo do público desse gênero, majoritariamente jovem, é diferente. Rodrigo Oliveira e Igor de Carvalho, fundador e diretor da GR6, maior produtora de funk e músicas urbanas do País, explicam o motivo. O movimento do trap, alegam, já aconteceu há mais tempo com o funk, mas, com a onipresença das redes e sua influência no consumo, "hoje, tudo é 10 vezes mais viral".
O que Rodrigo cita como viral Igor descreve como lifestyle (estilo de vida). "As pessoas mais novas estão ansiosas por comprar lifestyle. Querendo ser alguém, se espelham em quem está mais próximo, falando coisas que elas vivem. É o que acontece nos dois gêneros. O trap fala a mesma coisa que o funk, mas com uma sonoridade diferente", reflete Igor. Correntes douradas e papo sobre festas e ostentação do trap são espelhos para os fãs.
<b>NOVAS POSIÇÕES</b>
O empresário acrescenta: "Acho que o trap está crescendo e ocupando posições que eram do sertanejo, por exemplo, porque quem mais consome são os jovens e onde eles estão? Na internet, nos streamings, no TikTok etc".
Rodrigo descreve esse público como "uma tribo", porque o consumo não se restringe às músicas. "No trap, os fãs são muito loucos, compram tudo, a ideia, a situação da música e as marcas de roupa que os trappers usam."
"Números absurdos rondam ao redor de tudo que os artistas lançam. Quando o Kayblack começou a postar sobre Contradições nas redes, ele recebia mais comentários que o Neymar, por exemplo", constata.
Os artistas dialogam direto com a vivência dos fãs, que se sentem representados nas letras e melodias do gênero. Não existe uma fórmula para tal sucesso, mas uma coisa os dois artistas que estão no topo das paradas têm em comum: letras sobre superação e versatilidade nas batidas, o "tempero brasileiro".
"Diferentemente do praticado em outros territórios em que se percebe uma ênfase nos efeitos vocais, o trap brasileiro incorporou muitas frequências graves, como nos bumbos, ligadas à nossa relação com o tambor e também praticadas pelo funk, tornando-o único e nacional", descreve Rodrigo, do Spotify.
Já as letras costumam abordar temas como desigualdade social, violência e racismo, mas também ascensão, sexo e amor. Enquanto Veigh tinha referências musicais no funk, Kayblack teve o samba e pagode como primeiras influências, herdadas de seus pais. Foi seu irmão mais novo, Mc Caveirinha, que o apresentou ao trap.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>