Walter Franco atende o telefone com a voz trêmula. Recém-operado de um procedimento médico vascular nas carótidas, na região do pescoço, canta bem baixinho sua música favorita dos Titãs. “O acaso vai me proteger. Enquanto eu andar distraído”, recita após um longo e interminável suspiro. “Quero tocar essa. Ela se chama Epitáfio, não é? Que letra belíssima. Tomara que fique legal ao vivo”, complementa. Aos 71 anos, um dos ícones da chamada MPB maldita dividirá o palco com, segundo ele, “a melhor banda do rock brasileiro de todos os tempos”, os Titãs. Serão, ao todo, quatro shows. Todos realizados de quinta, 14, a domingo, 17, no Sesc Pompeia. Os ingressos estão esgotados.
A influência de Walter Franco na sonoridade dos Titãs não é novidade. Paulo Miklos, Sérgio Britto, Branco Mello e Tony Bellotto sempre falaram abertamente da força poética do chamado gênio injustiçado da MPB. Em Nheengatu, mais recente álbum de estúdio da banda, eles gravaram Canalha, um dos clássicos de Walter. “Ouvi a versão dos Titãs. Para mim, é uma honra ter algo regravado por eles. Cheguei a confundir a voz do Branco Mello com a minha. Ficou perfeito. Um timbre potente, diria. Quero encontrá-lo pessoalmente para dizer isso”, afirma Walter.
Debilitado, Walter Franco tropeça algumas vezes nas próprias palavras. Mantém, no entanto, a essência soturna e até psicodélica que marcou sua extensa trajetória.
De forma calma e precisa, vai externando as palavras de maneira poética. Se tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo, como diz a letra de Coração Tranquilo, o cantor e compositor paulistano faz isso com maestria. Walter Franco prefere, então, enaltecer os Titãs e deixar sua participação em segundo plano. “Lembre-se que eles (os Titãs) serão os protagonistas, não eu. Farei apenas uma pontinha. Pretendemos tocar quatro ou cinco músicas. O convite foi feito em cima da hora. Gostaria de preparar algo mais amplo, mas minha saúde atual, infelizmente, não permite. Devido a essa cirurgia, não vou poder tocar nenhum instrumento. Trata-se de um quadro clínico delicado. Ainda não consigo fazer alguns movimentos simples, isso inclui dedilhar acordes no violão. Fiquei ansioso. Quando soube do projeto, tentei tocar, mas não consegui. Por isso, nesses shows, terei a ajuda do meu amigo e guitarrista Raul Duarte, que toca comigo há 35 anos. Não vou poder me alongar muito”, lamenta.
O repertório das apresentações deve incluir ainda Me Deixe Mudo e Feito Gente, canções cortejadas pelo quarteto desde muito cedo, quando ainda projetava o futuro. “O Walter tem um repertório vasto. Fica difícil escolher as músicas para o set. Canalha, por exemplo, foi um hit dos anos 1970. Ali tínhamos um grito preso na garganta. Na década de 1980, vivíamos um período de redemocratização. Ele ajudou a formar o rock de São Paulo, fazendo a ponte com a música popular brasileira”, diz o guitarrista dos Titãs, Tony Bellotto, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
“Pela carga de trabalho e excelência da produção do Walter Franco, ele, com certeza, deveria ser mais conhecido, principalmente nos dias atuais. É complicado avaliar por que isso aconteceu, sabe? O Walter é um cara tranquilo, sereno e da paz. Um verdadeiro mestre com uma obra esplêndida para ser desvendada”, conclui Tony.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.