Para defender supersalários pagos a seus magistrados, o Tribunal de Justiça de Goiás argumentou ao Supremo Tribunal Federal que não se pode exigir que os juízes e desembargadores trabalhem de forma graciosa . O presidente do TJ, desembargador Carlos Alberto França, alega que os magistrados não podem extrapolar suas funções usuais de graça, devendo ser remunerados de modo proporcional e compatível com as atividades imprescindíveis que exercem para o funcionamento da Corte estadual.
Em maio, Carlos Alberto França recebeu um contracheque de R$ 175 mil brutos – ou, R$ 149,8 mil líquidos, incluindo R$ 30 mil em indenizações, R$ 87 mil em vantagens e R$ 20 mil em gratificações. No mesmo mês, o juiz de primeiro grau Wilson da Silva Dias recebeu mais que o presidente da Corte goiana: R$ 177,4 mil – valor livre de descontos -, incluindo R$ 47 mil em indenizações, R$ 42 mil em vantagens e R$ 78 mil em gratificações.
As alegações do Tribunal de Justiça de Goiás constam de documento remetido ao gabinete do ministro André Mendonça, relator da ação no Supremo em que o procurador-geral da República Augusto Aras questiona a lei que viabilizou o pagamento de subsídios líquidos superiores a R$ 170 mil aos magistrados estaduais.
No centro do processo está o expediente que classifica como verba indenizatória valores devidos a servidores que exercem atividade extraordinária . Normalmente, esses montantes estariam sujeitos ao abate teto – corte no pagamento de funcionários públicos quando o valor do holerite ultrapassa o limite do funcionalismo público, que é o contracheque dos ministros do STF.
Leis sancionadas pelo governo de Goiás preveem a exclusão desses valores da régua do teto e acabaram turbinando o holerite de servidores.
No Supremo, Aras contestou cinco leis, aprovadas em sequência. A primeira beneficiou servidores do Executivo goiano. Depois, veio o efeito cascata: o Tribunal de Justiça de Goiás, o Tribunal de Contas do Estado e o Tribunal de Contas dos Municípios também quiseram entrar no jogo e pediram as mesmas regalias.
No último dia 30, o ministro André Mendonça instou a Corte estadual, o governo goiano e a Assembleia Legislativa a prestarem informações sobre o caso. A resposta seguiu uma mesma linha de argumentos e considerações, sempre em defesa da legalidade e da necessidade dos pagamentos que estouram o teto constitucional.
O Tribunal de Justiça, por exemplo, argumenta que apenas um número pequeno e limitado de magistrados foi beneficiado pela norma questionada, considerando o quadro total da Corte estadual. Carlos Alberto França citou os cargos que exercem funções administrativas fora da sua atuação jurisdicional , inclusive o seu próprio, de presidente do TJ.
O parecer enviado a Mendonça replicou ainda um argumento usado pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE) de Goiás para defender as verbas indenizatórias .
O órgão sustentou. "Não há como se entender por razoável que o agente público cuja remuneração já resvale no teto constitucional e que assuma obrigações mais complexas, em atividades que lhe demandarão mais dedicação e responsabilidade, não tenha qualquer outro acréscimo patrimonial, incidindo o denominado abate teto sobre a vantagem pecuniária correspondente ao cargo comissionado ou à função em comissão, de modo a extirpar qualquer contraprestação pelos serviços prestados."
O Tribunal de Justiça de Goiás alega que a contraprestação pelo serviço prestado também é um direito constitucional . A Corte pede ao Supremo que analise o teto remuneratório sob o princípio da igualdade material .
Governo de Goiás alega problemas para suprir posições de chefia
Ao final da manifestação de sete páginas, o desembargador França disse compartilhar o posicionamento da PGE de Goiás sobre a liminar requerida por Augusto Aras, para a suspensão dos penduricalhos além do teto pago a magistrados do Estado.
O governo de Goiás alegou que, caso o pedido do procurador-geral seja acolhido e os pagamentos suspensos haverá grave risco de esvaziamento de cargos em comissão.
O Executivo estadual apontou como consequência de uma medida desse alcance inexistência de justa contraprestação a trabalho que exige maior dedicação, responsabilidade, esforço e tempo, de natureza mais complexa e cujas funções extravasam as ordinárias do cargo efetivo ocupado .
Goiás informou ao Supremo que editou a lei questionada após enfrentar problemas para posições de direção, chefia e assessoramento em algumas categorias do serviço público.
Segundo a PGE, a lei questionada tinha o objetivo de corrigir distorção e possibilitar a oferta de justa remuneração , tornando atrativa a ocupação das referidas posições .
Ainda de acordo com o governo estadual, o prejuízo que seria gerado ao Estado com uma eventual suspensão dos penduricalhos além do teto é muito maior que o prejuízo apontado por Aras. Segundo o TJ de Goiás, as despesas têm caráter meramente econômico .
"Caso seja a medida cautelar concedida, revertendo o quadro remuneratório implantado, o problema será reinstaurado, levando ao abandono dos cargos comissionados e das funções em comissão, ocasionando verdadeiro colapso da máquina pública", sustenta o Estado.