Criador de Carminha (Avenida Brasil) e Flora (A Favorita), João Emanuel Carneiro está de volta aos folhetins com suas vilãs maquiavélicas e suas mocinhas de personalidade dúbia. Agora, em um novo formato. Uma novela com cerca de 80 capítulos, com estreia exclusiva no streaming.
Todas as Flores, que chega ao Globoplay no dia 19 de outubro, contará a história de Maíra, uma menina cega, criada em Pirenópolis, Goiás, que é procurada pela mãe, a perversa Zoé (Regina Casé) com o intuito de que ela doe a medula para a irmã, a egoísta Vanessa (Leticia Colin), que sofre de leucemia. Só quem sabe das verdadeiras intenções de Zoé é Judite (Mariana Nunes), moradora do bairro da Gamboa, no Rio de Janeiro, madrinha da Maíra.
A história dessas mulheres é interligada por Humberto (Fábio Assunção), amante de Zoé e pai de Pablo (Caio Castro), filho de Judite e amante de Vanessa, e Rafael (Humberto Carrão), noivo de Vanessa que se apaixona por Maíra. Ou seja, o melhor estilo de novelão. A direção artística é de Carlos Araújo.
Todas as Flores terá blocos de cinco capítulos liberados semanalmente até 14 de dezembro, totalizando 45 episódios. A segunda parte está prevista para entrar no Globoplay de abril a junho de 2023, quando estará disponível também para o mercado internacional. A plataforma irá publicar ainda minidocumentários sobre deficiência visual, com histórias reais.
O primeiro capítulo da novela será transmitido em uma live na plataforma, aberta para não assinantes, nesta quarta, 19, às 20h. A transmissão da novela será feita por dois sinais diferentes, o primeiro com áudio original e o segundo com o recurso de audiodescrição. Os demais quatro capítulos do primeiro bloco ficarão disponíveis na sequência e toda obra entrará no catálogo com e sem audiodescrição.
O <b>Estadão</b> conversou com as quatro protagonistas femininas da trama. Todas encantadas e curiosas com o rumo que Carneiro estão dando a suas personagens. E, assim como em outras novelas do autor, a expectativa é a de que o telespectador se surpreenda com as reviravoltas da história.
<b>Leticia Colin, a Vanessa</b>
<b>A Vanessa começa a novela com câncer. E, ao contrário do que acontece em momentos decisivos como esses, ela não revê seus valores. A vilania dela só cresce. Como você pegou essas informações para dar vida a essa personagem?</b>
A Vanessa não se conecta com nada que não tenha a ver com seu umbigo. Ela é autocentrada desde criança para viver em um mundo de poder, usar roupas caras, fazer um bom casamento. Ela usa o fantasma do câncer como uma moeda de troca.
É interessante porque, a princípio, a gente não pensa na vilã com essa vulnerabilidade (a doença). Isso é uma jogada de mestre do João. Com essa vida voltada para as armações e para o desejo de ter, ela está sempre exausta, no limite. Com a mãe, ela tem uma cumplicidade de manipulação e muita competição. Algo bem paranoico. E isso gera, muitas vezes, situações de humor. Beira ao cômico.
<b>Você e a Sophie Charlotte gravaram juntas As Rosas Não Falam, de Cartola, que será o tema de abertura da novela. Pode estar na letra da canção a chave para entender a relação dessas irmãs?</b>
Tem, sim. O Carlos (Araújo, diretor artístico) sempre trouxe para nós a imagem da riqueza das flores. Cada uma dessas mulheres dentro das variações que elas têm. Algumas são mais espinhosas, outras mais acolhedoras, outras mais carnívoras. Nós brincamos dentro desses arquétipos. A letra dessa canção traz coisas que não são ditas, não são percebidas. E a novela tem muitas armações que só são descobertas mais para frente. As flores (as personagens) estão sentindo, pulsando, mas não estão necessariamente dizendo.
<b>Mariana Nunes, a Judite</b>
<b>A Judite vai ser a grande antagonista da Zoé. O que mais você pode contar sobre a personalidade dela?</b>
Ela é uma mulher solar, magnética. Com uma ética forte e retidão em seu comportamento. O grande barato do texto do João é colocar essas personagens à prova. Até quando ela sustenta isso? Será que isso servirá para todas as situações da vida? Conforme os capítulos estão chegando, vejo que a Judite não é perfeita. Ela guarda um segredo a sete chaves que é a paternidade de seu filho. Até antes de Maíra chegar, apenas os dois moram juntos. Judite, mais do que trazer a Maíra para o lado dela, faz de tudo para protegê-la da Zoé. Isso tem a ver com questões do passado que nem nós atores sabemos ao certo ainda.
<b>É uma característica do texto do João Emanuel. Como vocês lidam com isso?</b>
É um quebra cabeça. É como se ele me desse autonomia na criação. Porque quando me falta uma informação, eu, como atriz, tenho que arrumar, intuir e criar um caminho para a personagem. É um exercício maravilhoso.
<b>E a relação dela com o filho, Pablo, um sujeito de caráter duvidoso, como se dá?</b>
Nisso há uma falha da Judite que a humaniza. Ela vacilou em não contar para o filho quem é o pai dele. Ela não teve condição de dividir isso com ele, o que é grave. Pablo diz a ela "eu sou desse jeito porque você não soube me criar".
<b>Regina Casé, Zoé</b>
<b>Quem é essa mulher e, sobretudo, quem é essa mãe?</b>
Ela ainda é um mistério. Me surpreende todos os dias. O João Emanuel fez questão de não me dar a sinopse da novela. A Zoé é uma pessoa muito complexa, muda a cada cena. Não é uma personagem linear. No primeiro capítulo ela faz barbaridades. Nos seguintes, conquista a Maíra, faz bolo para ela. É uma mulher que você pode subir junto em um elevador e não perceber a maldade dela. O diretor me pediu uma vilã leve, engraçada. É assim que eu faço, mas, de repente, tem um acontecimento que o telespectador vai cair duro.
<b>E, de fato, é sua primeira vilã na televisão, não?</b>
Sim, minha primeira vilã, primeira loura, primeira rica, primeira carioca. Olha que loucura! Nunca havia feito ninguém nem de classe média. E isso tem um significado muito profundo para mim. É quase como se eu, depois de tantos anos de carreira, estivesse estreando como atriz. É como se não fosse algo autoral. Nos outros personagens que fiz, havia uma concordância com o meu discurso, minha trajetória, com o que eu vi nos últimos trinta anos viajando o Brasil inteiro. A dona Lourdes (Amor de Mãe) era uma nordestina pobre. A Tina Pepper (Cambalacho), uma menina da periferia de São Paulo. Já a Zoé faz coisas que eu jamais faria, mora em um lugar que eu jamais moraria – um condomínio na Barra da Tijuca. Sim, eu moro na zona sul do Rio, mas as pessoas que eu conheço e converso são como os cortadores de cana (sua personagem no filme Eu, Tu Eles).
<b>Na novela, você está loura (Regina usa uma peruca). Por que escolheram essa caracterização?</b>
Acho que não existe uma mulher como a Zoé que não seja loura. Eu, no começo, estranhei. Mas outro dia fui gravar uma externa em um prédio corporativo na Barra. Quando entrei no elevador, havia quatro mulheres com o mesmo cabelo da Zoé. Todas tinham peitos e bundas enormes. Tudo era artificial. Eu estava até naturalzinha perto delas…
<b>Sophie Charlotte, a Maíra</b>
<b>A Maíra é uma personagem cega. Como você a desenvolveu, com essa diferença no olhar e certamente fugindo de qualquer caricatura?</b>
Se eu tivesse que fazer um paralelo com outro trabalho meu, seria a personagem que fiz em (na série) Passaporte para a Liberdade, no qual eu atuava em inglês e, por conta disso, eu precisei colorir cada palavra com memórias e vivências, pois elas tinham sentido, mas não emoção. A descoberta do corpo da Maíra passou por um processo parecido. Nós, pessoas videntes, entendemos e absorvemos o mundo de uma forma até mesmo mais limitante que uma pessoa cega. Foi forte. É um estar em cena diferente. É uma projeção, claro, mas se pretende colocar em situação e servir como uma possibilidade de questionamento da luta anticapacitista (a novela terá audiodescrição).
<b>Há um ponto muito interessante no qual a Maíra vai trabalhar em uma fábrica de perfumes, com o olfato, onde ela se encontra com o Rafael (Humberto Carrão), por quem se apaixona…</b>
Essa ligação com a perfumaria veio do pai, o Rivaldo, que era perfumista. Tem muita memória envolvida, um ofício passado de pai para filha. A beleza desse encontro com o Rafael é no prazer do ofício. Há uma troca, um encanto. O diálogo intelectual entre eles é muito interessante. A perfumaria tem uma língua própria que é onde eles se encontram. Esse é justamente o universo do qual a Vanessa não participa.