Estadão

Todd Martinez: Brasil não está necessariamente em trajetória de grau de investimento

Depois de ter melhorado o rating do Brasil, a agência de classificação de risco Fitch Ratings alerta que o Brasil não está necessariamente em uma trajetória para recuperar o grau de investimento, perdido em 2015. Reconhece, contudo, que a agenda do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está focada em melhorar pontos críticos que poderiam levar o País a ter uma nova melhora em sua nota à frente. A implementação das reformas em andamento, além de evidências claras de progressos fiscais e em torno de uma agenda de maior crescimento econômico são os principais motores para isso.

A Fitch elevou na quarta-feira, 26, o rating do Brasil, de BB- para BB , com perspectiva estável. Com a melhora, o Brasil subiu um degrau na escala da agência, mas continua dois níveis distante do grau de investimento, de ao menos BBB- .

De acordo com o codiretor da Fitch Ratings de ratings soberanos para as Américas, Todd Martinez, geralmente, os países que perderam o grau de investimento levaram, em média, seis anos para recuperá-lo. No caso do Brasil, já se passaram oito anos.

"Neste momento, não vemos necessariamente o Brasil claramente em uma trajetória para recuperar o grau de investimento, mas reconhecemos que a agenda do governo Lula está focada precisamente nos pontos que podem levar a um rating mais alto", diz Martinez, em entrevista ao <i>Broadcast</i> (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado).

Como a perspectiva da nota do Brasil é estável, explica, não estão previstos novos movimentos por parte da Fitch nos próximos 12 meses. Também não está na visão da agência um rebaixamento em termos de perspectiva. No início do ano, a agência chegou a sinalizar que esse caminho não estava descartado diante dos ruídos gerados no início da gestão Lula, com preocupações, principalmente, na ótica fiscal e reversões de medidas adotadas em gestões anteriores como as reformas trabalhista e da previdência e ainda a privatização da Eletrobras.

O foco agora, diz Martinez, é acompanhar o progresso das reformas fiscal e tributária. De acordo com ele, se o governo Lula conseguir implementar mudanças que coloquem o Brasil em uma trajetória de maior crescimento econômico e permita a redução do déficit fiscal e não apenas estabilize a proporção da dívida frente ao Produto Interno Bruto (PIB), pode garantir novas melhorias no rating do País.

"Não apenas precisamos ver a aprovação de todas essas medidas, mas também precisam ser promulgadas e precisamos ver evidências de que elas estão realmente entregando os benefícios fiscais e de crescimento esperados… Esse é o tipo de cenário em que podemos estar pensando em outra ação de rating positiva para o Brasil", explica Martinez.

De acordo com ele, o ruído gerado no início do governo Lula se reduziu e muitas preocupações que aumentaram o nervosismo do mercado financeiro não se concretizaram, como, por exemplo, uma mudança na meta da inflação do Banco Central ou impactos na condução da política monetária. Apesar de se distanciar da agenda liberal de governos anteriores, na visão da Fitch, a gestão petista vai ampliar o papel do Estado, vai olhar mais para o social, mas não deve caminhar para uma "mudança radical".

Em paralelo, o governo Lula deve avançar com algumas reformas como a fiscal e tributária, e que colocam o Brasil "na direção certa", diz. Segundo ele, o novo arcabouço fiscal é positivo, mas há desafios de implementação e riscos negativos, principalmente, na dependência de geração de receitas. "O diabo está sempre nos detalhes quando se trata de questões fiscais. E os detalhes são muito complexos comparando a nova regra fiscal com o teto de gastos", avalia. A Fitch acha que a gestão Lula conseguirá atingir ao menos o piso das metas que almeja sob a ótica fiscal.

Quanto à reforma tributária, Martinez diz que o avanço do tema é positivo diante do fato de que o sistema de tributos brasileiro é "notoriamente complexo, com muitas distorções e má alocação de capital". "É uma das maiores deficiências competitivas do Brasil. Então, acho que qualquer esforço sério para enfrentá-los, certamente, é bom a longo prazo para o crescimento econômico do Brasil", avalia. No entanto, como a reforma tributária tem um período de transição, os seus efeitos também tendem a levar mais tempo para serem notados na economia. Nesse sentido, a Fitch não considera mudar suas projeções para o crescimento do País à frente, com base em sua aprovação.

Em paralelo à melhora do rating brasileiro, a agência ajustou também as perspectivas para o Produto Interno Bruto (PIB) do País. A Fitch Ratings espera que o Brasil cresça 2,3% neste ano, contra 0,7% anteriormente. Para 2024, vê, contudo, desaceleração, com o ritmo de alta em 1,3%.

O diretor da Fitch destaca ainda que a atuação do Banco Central brasileiro foi importante para a melhora do rating do Brasil. O País teve um dos ciclos de aperto monetário mais pró-ativos e prudentes do mundo para lidar com os choques inflacionários. "O Brasil é uma espécie de exemplo para o resto do mundo sobre como uma boa política monetária é conduzida", avalia.

Segundo Martinez, como os juros altos afetam a demanda doméstica, o descontentamento de Lula é natural. Porém, o que motivou a Fitch a melhorar o rating do País foi justamente o fato de que, a despeito disso, o BC não fez nenhuma mudança tanto na meta de inflação quanto em sua autonomia. Dada a queda das pressões inflacionárias e fiscais, a autoridade está bem posicionada para começar a cortar os juros a partir de agosto, na reunião que acontece na próxima semana, prevê.

"A gente acha que o banco central vai sinalizar que será um ciclo de corte parcimonioso e é uma postura apropriada porque, sabe, ainda há muita incerteza no mundo e seria um problema maior o Brasil cortar as taxas muito agressivamente", defende Martinez.

Por fim, ao falar de uma eventual recuperação do grau de investimento, ele afirma que é preciso entender os motivos que levaram o País a perder o selo de bom pagador, em 2015. Para o Brasil retomá-lo, a Fitch precisa ter confiança de que, não importa qual o governo, haverá prudência nas políticas fiscais e macroeconômicas. "E também acho que gostaríamos de ver um Brasil que evitasse o risco de complacência", conclui, citando mudanças de políticas conforme o contexto doméstico e internacional.

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