No dia em que o Brasil ultrapassou a marca de mais de 340 mil mortos pelo novo coronavírus, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, decidiu nesta quarta-feira, 7, suspender um artigo da Lei de Propriedade Industrial que prevê a prorrogação do prazo de patentes farmacêuticas. O entendimento do ministro, que atende a pedido formulado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), atinge apenas patentes relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos materiais de uso em saúde. A decisão não tem efeitos retroativos e será analisada pelo plenário na próxima semana.
Atualmente, a legislação prevê que as patentes de invenções terão o prazo prorrogado automaticamente caso demorem dez anos ou mais para serem aprovadas pelo INPI, órgão responsável pela análise de pedidos de patentes. De acordo com a PGR, a norma é ilegal porque garante um benefício excessivo aos detentores de patentes e prejudica a livre concorrência. Na avaliação do ministro, na situação específica das patentes do uso em saúde, o interesse social "milita em favor da plena e imediata superação da norma".
"O enfrentamento de uma crise de tamanha magnitude envolve a gestão de recursos escassos de diversas categorias , não somente de medicamentos com possível indicação para o tratamento da doença. A pressão sobre os sistemas de saúde aumentou de forma global, elevando a demanda por insumos em toda a cadeia de atendimento, como por respiradores pulmonares, equipamentos de proteção individual, fármacos para amenizar os sintomas da doença e para o tratamento de suas complicações, substâncias destinadas à sedação de pacientes entubados, apenas para citar alguns exemplos", escreveu Toffoli.
"Assim, a pandemia evidenciou a necessidade premente de investimentos em saúde pública, pressionando ainda mais pelo gasto racional de recursos públicos na área e demandando a adaptação de estruturas, a contratação de profissionais e a aquisição de insumos, materiais hospitalares, vacinas e medicamentos, no intuito de mitigar os efeitos da calamidade no país", acrescentou.
Em uma decisão de 86 páginas, o ministro ressaltou que está assegurada a vigência das patentes por 20 anos (invenção) e 15 anos (modelo de utilidade), contados das datas dos respectivos depósitos. De acordo com a lei de 1996, patentes têm prazo de 15 anos a 20 anos, tempo contado a partir da data do pedido feito ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Depois desse período, podem ser feitas "cópias" de medicamentos, equipamentos e outras invenções livremente.
A polêmica, porém, está em torno de uma regra da mesma lei que determina que o prazo de vigência da patente não será inferior a dez anos, no caso de invenções, e de sete anos para modelos de utilidade (atualizações de algo já existente), prazo contado a partir da concessão pelo Inpi. Como não há prazo para que o instituto conceda a patente, não há como saber quando a proteção cairá e muitas invenções acabam protegidas para além de duas décadas, prazo padrão no resto do mundo.
"Considerando que o parágrafo único do art. 40 da LPI está vigente há 25 anos e já produziu amplos efeitos, por razões de segurança jurídica e excepcional interesse social, proponho a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, conferindo a ela efeito ex nunc, ou seja, a partir da publicação da ata deste julgamento", ressaltou Toffoli.
O presidente da FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri, elogiou a decisão do ministro. "A liminar corrige uma distorção na legislação e é um importante avanço, com certeza. Espero agora que o plenário confirme essa decisão, o que vai facilitar a competição no setor farmacêutico e aumentar o acesso da população a medicamentos modernos a preços mais baixos", disse.
<b>Medicamentos</b>
Ao pedir a liminar ao STF, o procurador-geral da República, Augusto Aras, alegou que a medida é essencial para a contenção da Covid-19 no País, citando o caso de um medicamento que vem sendo testado para combater a doença e que teve a sua patente renovada recentemente. "Há, inclusive, fórmula fabricada com exclusividade por laboratório japonês (favipiravir), cuja patente já deveria ter expirado no Brasil, mas foi estendida até 2023, e que está em fase de estudos científicos sobre os potenciais efeitos contra o novo coronavírus", afirmou o chefe do Ministério Público Federal.
"Enquanto não expirada a vigência de patentes de grandes laboratórios, a indústria farmacêutica ficará impedida de produzir medicamentos genéricos contra o novo coronavírus e suas atuais e futuras variantes", argumentou Aras.
No pedido de liminar, Aras citou pelo menos 74 medicamentos que tiveram prorrogação de prazo com fundamento nesse dispositivo da lei, como medicamentos para o tratamento de câncer, HIV, diabetes e hepatites virais. É o caso, por exemplo, do medicamento Victoza (liraglutida), utilizado no tratamento de diabetes tipo 2. O pedido de patente foi feito em 1997, mas a concessão pelo INPI só se deu 20 anos depois, em 2017. Com a regra que determina os 10 anos de vigência a partir da concessão, a patente desse medicamento só cairá em 2027.
Segundo a PGR, um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) identificou que entre 2014 e 2018 o governo federal gastou R$ 10,6 bilhões, ou R$ 1,9 bilhão ao ano, com nove medicamentos que teriam a patente expirada entre 2010 e 2019, mas que tiveram prorrogações de até oito anos.