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Tom épico domina o monólogo de Maria

No primeiro monólogo de sua carreira, a atriz Denise Weinberg não estará completamente sozinha no palco – ao seu lado, o compositor Gregory Slivar vai executar, em instrumentos criados por ele mesmo, uma trilha sonora especial. “São sons que parecem primitivos e que compõem perfeitamente bem com a situação”, comenta o diretor Ron Daniels.

O monólogo O Testamento de Maria não se passa em um tempo específico, ainda que, no texto em prosa, Tóibín defina que a mãe do Cristo esteja vivendo no exílio, em Éfeso, 20 anos depois da crucificação do filho. Acuada por dois apóstolos, que querem seu depoimento para a escrita do que julgam ser o “testamento do Filho de Deus, que vai mudar o destino da humanidade”, ela se revela contrariada. “Para Maria, os apóstolos não passam de desajustados, que convenceram Jesus de que ele era, de fato, o Messias, algo que ela própria duvida”, afirma Denise.

Daniels aproveitou a atemporalidade proposta pela peça para fazer com a Virgem Maria pertencesse a todos os tempos e lugares. “Maria é uma mulher perseguida, pobre, quase uma prisioneira. Seu filho, ao se tornar uma espécie de líder revolucionário, sacrifica a sua vida por uma causa que Maria não entende e cuja morte lhe é insuportável, de tão horrível e absurda”, observa o encenador.

A peça apresenta diversos momentos fortes, que beiram a heresia. Maria, por exemplo, surpreende-se quando assiste a uma das pregações de Jesus para as multidões. “Ele fala em um tom muito convencido”, reclama. Em outro momento, durante as bodas de Canaã, Maria percebe que o fanatismo do filho atinge níveis perigosos, pois já incomoda os governantes romanos, e tenta alertá-lo. E, ao contrário do que pregam as Escrituras, ela não pede que Jesus transforme água em vinho para salvar a festa do fracasso, mas que volte para casa. Mas a Virgem é surpreendida por uma reprimenda do filho, que pede para se afastar.

“Tóibín mexe em um vespeiro, pois apresenta uma mulher que desconfia da condição de ídolo do filho – desconfia, na verdade, da própria crença”, conta Denise.

De fato, apesar de usar uma linguagem elegante, respeitosa, quase arcaica, para contar a história de Maria, o texto de Tóibín provocou protestos de católicos na rua 48, em Nova York, na noite de estreia da montagem estrelada por Fiona Shaw (conhecida pela saga de Harry Potter no cinema), em abril de 2013, no Walter Kerr Theater. Mas isso não impediu a trajetória de sucesso da peça que, transformada em livro, concorreu à premiação literária britânica Man Booker Prize e sua versão em audiolivro foi lançada, com narração de Meryl Streep.

O grande trunfo da peça é apresentar uma figura humana chamada Maria, mas com uma estatura moral comparável ao monumento criado pela Igreja após o primeiro concílio de Éfeso, em 431. Nele, a Virgem Maria foi declarada mãe de Deus, e não apenas da natureza humana de Cristo. E, desse conflito entre santidade e humanidade, despontam grandes momentos da montagem.

O ápice acontece quando Maria descreve a trágica morte do filho – da torturante pregação dos pés e das mãos de Jesus na cruz ao verdadeiro carnaval que se arma ao redor, com pessoas bebendo e jogando como se um homem não estivesse prestes a morrer sob tortura, a Virgem entabula um discurso dolorido, não se conformando com a situação. “É o desabafo de uma mãe”, fala Denise. “Seu sentimento é forte o suficiente para não ser teatral.”

Na versão criada pelo escritor irlandês, Maria não fica aos pés da cruz como a retratam os pintores ocidentais – para ele, a Virgem fugiu, com medo de ser a próxima vítima, acossada que estava por dois fariseus. Ela também levanta dúvidas sobre a ressurreição, que lhe surge no formato de um sonho.

Colm Tóibín é muito preciso ao falar de sua obra. “Eu quis dar a Maria sua própria voz, sem reduzir sua estatura”, diz ele, em comentário divulgado pela assessoria de imprensa do espetáculo. “Queria criar uma mulher que viveu no mundo: o seu sofrimento teria que ser verdadeiro, sua memória teria que ser exata e urgente. E ela teria que ter grandeza e, ao mesmo tempo, ser vulnerável. Eu me pus a imaginar como, em uma turbulenta época revolucionária, teria sido a vida de uma mulher que sofrera tanto e que fora tão frágil, antes de se tornar um mito.”

Para a versão nacional, Ron Daniels contou com o auxílio de Marcos Daud para costurar as três versões da história: a peça original irlandesa, o livro com o texto no formato de ficção e a montagem da Broadway. “Buscamos algo que revelasse o segredo da bem construída narrativa de Tóibín, que parte de fatos corriqueiros e conduz o espectador a momentos grandiosos. Ao final, depois de ouvir a narrativa de Maria, temos a impressão de ter acompanhado uma história épica, repleta de personagens.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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